Caixa Geral de Depósitos exagerou perdas em 2016 (e isso beneficiou os lucros futuros)
RODRIGO ANTUNES/Lusa
Manuel Oliveira Rego, revisor oficial de contas da CGD até 2016, defende que houve excesso de imparidades naquele ano. Que, pese embora não se justificassem, vão ter impactos futuros positivos. Uma prenda herdada por Paulo Macedo
A Caixa Geral de Depósitos conseguiu assegurar lucros futuros com as perdas que foram registadas em 2016, segundo opina Manuel de Oliveira Rego, representante da sociedade revisora oficial de contas do banco público até àquele ano. Houve um excesso de imparidades nesse exercício, acrescentou.
Em 2016, a CGD constituiu imparidades de pouco mais de 3.000 milhões de euros, que contribuíram para os prejuízos de 1.860 milhões de euros naquele ano. Foi o reconhecimento, à cabeça ou antes do vencimento, de que muitos dos ativos – sobretudo créditos – não iriam gerar o valor inicial previsto. O número foi elevado, tendo sido permitido graças à capitalização com dinheiros estatais de 3,9 mil milhões, acordada com a Comissão Europeia.
O reforço de imparidades da instituição financeira foi excessivo, considerou Manuel de Oliveira Rego aos deputados da comissão de inquérito à CGD, na audição desta terça-feira, 2 de abril. “Estão muito sobreavaliadas. A atual administração tem de gerir estes ativos porque tem ali resultados potenciais muito significativos. Tem de haver gestão apertada”, considerou.
“Tendo em consideração os critérios referidos para a referida avaliação dos ativos, parece-nos natural que a manutenção dos mesmos em carteira e a respetiva revalorização, a execução dos colaterais associados ou a sua venda de forma prudente em mercado poderá implicar reversões de imparidades significativas para a CGD, traduzindo-se em resultados positivos nos próximos anos”, explicou.
Ou seja, as perdas daquele ano darão ganhos no futuro, já que imparidades então constituídas poderão ser revertidas, com impacto positivo nas contas. Em 2017, o banco teve lucros de 52 milhões de euros e, no ano seguinte, de 496 milhões, resultados apurados pela gestão liderada por Paulo Macedo que espera, este ano, poder dar 200 milhões em dividendos ao Estado, o seu acionista único.
A CGD foi alvo de uma capitalização de 3,9 mil milhões de euros estatais em 2017, depois dos prejuízos do ano anterior, causados pelas imparidades de 3 mil milhões no ano anterior
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Tema já tinha merecido atenção
Na certificação legal das contas de 2016, a Oliveira Rego & Associados fez uma ênfase (quando é deixada uma informação sobre um dado específico, mas em que não é ainda uma penalização, como acontece caso fosse uma reserva), onde sublinhou aquilo que tinha acontecido sobre a recapitalização e a constituição de imparidades.
“No âmbito do plano de recapitalização, o órgão de gestão da CGD efetuou uma revisão da valorização das principais classes de ativos e de exposições com maior risco, seguindo os princípios de avaliação de um novo investidor privado significativo, conforme acordado com a Direção-Geral da Concorrência da Comissão Europeia como condição para a não qualificação do processo de recapitalização como auxílio estatal”, indicava a ênfase ao relatório e contas de 2016.
Na sua base, estava uma perspetiva de “desinvestimento muito acelerado” para os ativos mais arriscados, como os imóveis (o que afetava o valor dos colaterais dos créditos). E os pressupostos e intenções acabaram por contribuir “significativamente” para o volume das perdas por imparidades.
As imparidades foram uma contrapartida imposta pela Comissão Europeia para a capitalização da CGD de 2017.
Até 2016, também tudo estava bem
Questionado pelo deputado comunista Paulo Sá, Oliveira Rego recusou que tenha havido problemas na constituição de imparidades no passado, até 2015, nomeadamente por serem insuficientes. Não houve, diz. “Acompanhámos sempre as imparidades. Foram calculadas de acordo com os critérios internacionais”.
A afirmação de Oliveira Rego é feita apesar de os próprios ex-gestores da instituição financeira, como o antigo presidente José de Matos, terem sublinhado que não havia capital suficiente no banco para poder colocá-lo no caminho certo.
Manuel de Oliveira Rego atirou responsabilidades para os sucessivos governos, por não fazerem um acompanhamento devido da instituição, e especificamente ao Ministério das Finanças e ao Banco de Portugal, que disse terem recebido relatórios com informação sobre muitas situações que foram detetadas pela EY em 2018, na auditoria feita à CGD. "Nós fizemos o nosso trabalho".