Suspeitas de corrupção foram insuficientes para afastar um governador da Zona Euro
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O Tribunal de Justiça da União Europeia anulou a decisão da Letónia de suspender o seu governador por suspeitas de suborno. Não há provas que sustentem o afastamento. E só elas poderiam justificar tal passo. A Letónia tem até de pagar as despesas do BCE neste processo
Um dia antes de a exoneração de Carlos Costa ser debatida no Parlamento, saiu a decisão do Tribunal de Justiça sobre a suspensão de funções do governador da Letónia. A justiça europeia está ao lado do Banco Central Europeu (BCE) e do visado: não há provas para o seu afastamento. A Letónia tem de voltar atrás.
“O Tribunal de Justiça anula a decisão controvertida na parte em que proíbe Ilmārs Rimšēvičs de exercer as suas funções de governador do Banco Central da Letónia”. Esta é a sentença da justiça europeia relativa à decisão do departamento de prevenção e luta contra a corrupção da Letónia que, no início deste ano, decidiu suspender o líder das suas funções no banco central daquele país.
O governador do banco central letão, em funções desde 2013, tornou-se alvo de uma investigação em que se suspeita de ter pedido – e recebido – um suborno, enquanto governador, “a fim de exercer influência no interesse de um banco privado letão”. Foi detido e ficou proibido provisoriamente de estar naquelas funções.
Só que o afastamento de um governador da Zona Euro afeta os estatutos do Sistema Europeu de Bancos Centrais e do Banco Central Europeu, que obrigam a que uma exoneração aconteça se este “deixar de preencher os requisitos necessários ao exercício das mesmas ou se tiver cometido falta grave”. E o BCE e o próprio quiseram contestar aquela decisão da Letónia.
“A Letónia não demonstrou que a demissão de I. Rimšēvičs das suas funções assenta na existência de indícios suficientes de que este cometeu uma falta grave”, decidiu o coletivo de juízes liderado por K. Lenaerts, esta terça-feira, 26 de fevereiro, indo ao encontro àquilo que vem sendo defendido pelo BCE e pelo governador.
Confirma-se, assim, aquela que era já a posição da advogada-geral do Tribunal de Justiça.
Suspensão pode acontecer, mas não houve provas
Para os juízes do Tribunal Europeu, que tem como missão interpretar o direito comunitário para que haja uma aplicação uniforme nos vários países, o seu trabalho neste caso era assegurar que a demissão do governador ocorria segundo o que está escrito na legislação comunitária: “se existiram indícios suficientes de que este cometeu uma falta grave suscetível de justificar essa medida”.
E foi aí que a Letónia falhou. Porque é dito que havia margem para aceitação da suspensão de funções. “O Tribunal de Justiça salienta que pode ser necessário decidir a suspensão temporária do governador em causa das suas funções por motivos relacionados com as necessidades desse inquérito, designadamente para o impedir de obstruir o inquérito”, aponta o documento. Só que é preciso provas para tal. E não as houve.
“O Tribunal de Justiça precisa que, quando lhe é submetido um recurso com fundamento no artigo 14.°-2, segundo parágrafo, dos Estatutos do SEBC e do BCE, não lhe incumbe substituir os órgãos jurisdicionais nacionais competentes para decidir sobre a responsabilidade penal do governador em causa nem sequer interferir no inquérito penal preliminar instruído contra este último pelas autoridades administrativas ou judiciais competentes”, constata ainda a decisão dos juízes.
Só que, no caso letão, nada disso ficou claro.
Letónia tem de pagar despesas do BCE
A República da Letónia tentou enviar documentos adicionais ao Tribunal para sustentar a decisão, mas já o fez fora do prazo. Não conseguiu que o processo fosse reaberto. O país não avançou qualquer justificação para o atraso. Razão pela qual não foi aceite. A urgência dos recursos impediu-o. E, assim, a decisão foi a de que o governador do banco central afastado por suspeitas de corrupção continua a ser o governador do banco central.
A suspensão de funções do governador fica sem efeito. A Letónia é condenada a pagar não só as suas próprias despesas, como também os encargos enfrentados pelo Banco Central Europeu no seu recurso.
Portugal debate exoneração esta quarta-feira
Esta foi a primeira vez que o Tribunal de Justiça Europeu se decidiu sobre o afastamento de um banqueiro central na zona do euro.
A decisão judicial é divulgada um dia antes de, na comissão parlamentar de Orçamento, Finanças e Modernização Administrativa, discutir o projeto de resolução do Bloco de Esquerda em que recomenda ao Governo que exonere o governador do Banco de Portugal por suspeitas sobre a sua idoneidade devido à ausência de fiscalização às suas decisões enquanto foi administrador da Caixa Geral de Depósitos, entre 2004 e 2006.
Só o PCP admitiu votar a favor deste projeto de resolução. O PS, PSD e CDS levantaram dúvidas sobre a atuação do governador, mas recusam apoiar este diploma. Querem esperar pelas audições e conclusões da comissão parlamentar de inquérito à CGD.