"Quem tem mais culpa?” Há quem tema que os trabalhos da comissão de inquérito à Caixa Geral de Depósitos, a terceira em três anos, se centrem nesta pergunta. O receio é do Partido Comunista Português (PCP), a única força política que não apoia a constituição desta iniciativa, que foi debatida esta quinta-feira, 14 de fevereiro, no Parlamento, e que segue amanhã para votação. Logo no primeiro debate, houve já essas acusações.
“Preocupa-me e espero que a administração da Caixa não deixe de executar as operações que forem necessárias e que permitirão fazer o reembolso desse valor que foi investido na capitalização da Caixa e que o foi apenas na circunstância de o devolver com os juros que foram estabelecidos e que foram estabelecidos para todos os bancos nos quais o Estado entrou”. Esta foi uma afirmação de Pedro Passos Coelho em 2015, relativamente à Caixa Geral de Depósitos e à injeção de 2012, já que o antigo primeiro-ministro estava preocupado com a não devolução dos juros.
Quatro anos depois, o assunto voltou ao Parlamento. “O ex-primeiro-ministro disse que estava muito preocupado com a situação da Caixa porque não podia pagar CoCos [injeção estatal em instrumentos convertíveis em ações]. Era uma razão para [o Governo] determinar uma auditoria à CGD”, atirou o deputado socialista João Paulo Correia. Foram vários os momentos em que o vice-presidente da bancada do Partido Socialista disse que o Governo PSD e CDS podia ter pedido essa auditoria: “Foi em 2011 que a Caixa teve, pela primeira vez, prejuízos. O Governo podia ter encontrado uma boa justificação para pedir”. O mesmo para o ano seguinte, o da capitalização. E para os outros exercícios, em que houve alertas da Inspeção-Geral das Finanças.
Foi o Governo PS que pediu a auditoria aos atos de gestão entre 2000 e 2015, frisou João Paulo Correia, cuja divulgação pública motivou o novo inquérito parlamentar. Uma divulgação que aconteceu de forma inesperada pela mão da ex-deputada Joana Amaral Dias e contra a vontade da Caixa. Aliás, o próprio Executivo recusou receber o documento. O PS puxou para si a responsabilidade pela existência do documento. “Se hoje há um consenso alargado para a criação de nova comissão de inquérito à gestão da Caixa é porque o Governo determinou a auditoria”.
“Vou de consciência tranquila”
Mas, para o Partido Social Democrata, a responsabilidade é outra. “Perdeu metade do seu tempo a falar do anterior Governo”, atacou Duarte Pacheco, mas o que se sabe, disse, foi que os créditos problemáticos foram concedidos “no anterior governo socialista”, referindo-se ao período de José Sócrates como primeiro-ministro (2005 a 2012). “Eu vou de consciência tranquila”.
Duarte Pacheco acusou ainda a esquerda de ter “boicotado” o trabalho da anterior comissão de inquérito à Caixa, por ter conduzido ao fecho dos trabalhos sem a chegada de todos os documentos pedidos. Uma ideia também sublinhada por João Almeida, do CDS-PP. “Esta comissão de inquérito permitirá terminar um trabalho que outra podia ter concluído há dois anos. Podíamos há dois anos ter contribuído para que muito do que agora se sabe pudesse ter sido escrutinado há mais tempo”, considerou o centrista. E essa diferença temporal, sublinhou, pode ter influência nas prescrições em processos relativos a responsabilidade civil que a CGD está a averiguar.
O PCP, que está contra a constituição da comissão de inquérito, disse, pela voz de Duarte Alves, que a intenção por trás desta iniciativa “é a de dar palco para que o PS, PSD e CDS passem a atribuir acusações de quem tem mais culpa”. Palavras ditas depois de Paulo Macedo ter afirmado esta semana – como tem dito desde que é presidente executivo da instituição financeira – que a Caixa é usada como arma de “arremesso político”.
Ao lado dos comunistas na rejeição desta iniciativa parlamentar está o deputado não inscrito, Paulo Trigo Pereira, que tem “as maiores reservas e maiores dúvidas” sobre a capacidade dos deputados de poderem fazer um trabalho de avaliação que já foi escrutinado por “auditores especializados, de consultoras especializadas”.
Carlos Costa não pode ser único alvo
Mas a comissão de inquérito avançará, na votação que tem lugar esta sexta-feira, sendo que é para as suas conclusões que os deputados olharão para decidir um eventual pedido de exoneração do governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, como frisaram PSD, PS e CDS nas suas declarações sobre o tema em relação ao projeto de resolução do Bloco de Esquerda que tem esse fim.
“O BE não faz qualquer análise antecipada sobre a idoneidade de Carlos Costa ou qualquer outra. É o Banco de Portugal que tem de fazer essa análise”, justificou-se Mariana Mortágua no debate, acrescentando que os deputados têm de exigir que o supervisor “faça essa análise aos ex-administradores”. “Há um que nunca será avaliado” e, por isso, há um “conflito de interesses”. “Se a única forma de avaliá-lo é que deixe de ser governador, então, que deixe de ser governador”, concluiu a deputada bloquista.
Mas os partidos não querem apenas tiro a um único alvo: “Estamos a tempo de podermos exigir as responsabilidades a todos aqueles que as têm. Não vamos permitir”, disse João Almeida. O Banco de Portugal tem de ser avaliado, “mas não só”. Algo que o PSD e PS também têm dito.
Neste campo, o PCP deixou até uma indicação: há que apurar as responsabilidades políticas, “sem esquecer as responsabilidades dos dois governadores do Banco de Portugal”. Uma referência não só a Carlos Costa, mas também a Vítor Constâncio.