Economia

O problema do interior? Ser chamado interior

Álvaro dos Santos Amaro, Jorge Coelho e José Félix Ribeiro discutiram o que ainda falta fazer para cimentar as mudanças 
na zona da Guarda
Álvaro dos Santos Amaro, Jorge Coelho e José Félix Ribeiro discutiram o que ainda falta fazer para cimentar as mudanças 
na zona da Guarda
José Fernandes

Captação de talento e falta de apoios estatais são alguns dos desafios e oportunidades que se colocam na região

O problema do interior? Ser chamado interior

Tiago Oliveira

Jornalista

“As pessoas que me conhecem sabem que eu não gosto da palavra”, atirou o presidente da Câmara Municipal da Guarda, Álvaro dos Santos Amaro. E qual é o termo que merece este opinião forte? Interior. Mais concretamente quando é utilizada para circunscrever uma determinada parte do país que historicamente é assim conhecida, ao mesmo tempo que serve para perpetuar diferenças que continuam a prejudicar esta faixa de território. O edil não tem dúvidas que “o grande falhanço aqui é do estado e de quem o tem administrado.” Realidade que tem conhecido novos contornos nos últimos anos, também por intermédio de uma geração de empresários que quer contribuir para uma região de futuro.

Temas que estiveram em discussão no XXII Encontro Fora da Caixa, ciclo de conferências organizado pela Caixa Geral de Depósitos que tem percorrido o país com o acompanhamento do Expresso. Desta feita, o Teatro Municipal da Guarda foi o palco de uma tarde de discussão centrada nos desafios e oportunidades que se identificam no interior do país. “Graças a Deus que nascemos aqui”, apontou António Plácido Santos.

O presidente do conselho de administração da Prisca Alimentação garante que “as oportunidades compensam todas as dificuldades que podemos encontrar” e identificou a “captação de mão de obra qualificada” como o principal desafio do tecido económico da região. “Se antes se dizia que para encher chouriças qualquer pessoa serve, hoje já não é bem assim”, disse entre risos, enquanto lembrou a pequena dimensão populacional da região, que coloca as empresas em desvantagem face aos concorrentes. Problemas de resolução nada fácil mas que a António só merecem uma resposta: “Continuamos a investir aqui porque acreditamos na nossa zona.”

“Nós, empresários daqui, temos um bocadinho de aventureiros e heróis”, começou por dizer o administrador da PABI, Nuno Ferreira, para quem é claro que faz falta “uma descriminação positiva” que beneficie o interior do país e permita à região lutar contra as “mais-valias que estão todas no litoral.” Para o responsável pela empresa “líder nacional na transformação de amêndoas”, o caminho passa por fazer com que as pessoas não abandonem a região à primeira oportunidade e convencer mais profissionais a instalarem-se por ali. Sem esquecer a necessidade de “aproveitar as oportunidades do turismo.”

Adaptar o ensino
A questão demográfica foi outro dos tópicos em destaque, com Jorge Coelho a defender que são precisas “medidas radicais para trazer as pessoas do litoral para o interior”, como programas de apoio ao arrendamento de casa, ou que “garantam condições para as pessoas terem os filhos a estudar.”

O antigo ministro é agora responsável por uma unidade de produção de queijo da serra, junto à aldeia onde nasceu, e falou de uma região com grandes potencialidades e onde a qualidade de vida é superior. Resta saber vender-se e garantir mais apoios por parte do Estado. Com a ressalva que “se as medidas que estão no Orçamento forem cumpridas, são positivas.” Sobretudo porque a população da região tem “que ter um sinal de que merece as mesmas oportunidades das outras.” Pelo lado inverso, Álvaro Santos Amaro sustenta que “a República não quer fazer as contas do que custa ao país o despovoamento”.

Orlando Faísca é também defensor deste tipo de medidas e, antes de mais, “tem que haver um esforço do Governo no sentido de melhorar drasticamente as instituições de ensino superior do interior” que, na sua opinião, estão “a anos-luz” das restantes. O administrador da Floresta Bem Cuidada disse ainda que “fazem falta mais cursos de engenharia, que reflitam as necessidades” dos empregadores e, para não dar azo a confusões, realçou que não são precisos subsídios do Estado. Os empresários pedem apenas a possibilidade de aumentar a “capitalização da empresas” através de uma alteração no regime fiscal. Ou seja, “se uma parte do IRC fosse reinvestido nas empresas, haveria um retorno positivo na economia.”

Para o diretor-geral da Sodecia Powertrain Guarda, Gabriel Alves, é essencial “mapear as necessidades da região e construir os cursos de acordo” porque só assim é possível formar pessoas com qualidade, sempre com a certeza de que “o caminho faz-se caminhando e desta forma é que vamos gerar valor.” Como disse Jorge Coelho, “só posso ter uma perspetiva otimista do crescimento do nosso país.” Para que o Interior deixe de ser interior.

Qual seria o impacto de um porto seco de contentores?

“Faria toda a diferença” para o tecido económico e social da região, na opinião de Nuno Ferreira. A ideia de instalar um porto seco de contentores na região foi mencionada no debate pelo administrador da PABI e foi aparecendo ao longo da tarde como reflexo da vontade dos empresários em beneficiar de um projeto-âncora que ajude os seus negócios a passar a um novo patamar e a atrair novos clientes de todo o mundo. “Fez-se o Alqueva no Alentejo, porque é que não se constrói aqui algo substancial”, questionou. Para uma zona com um forte cluster automóvel, agroalimentar, florestal e têxtil, como referiu o economista José Félix Ribeiro, é importante “globalizar o interior para o tornar atrativo”, tendo em conta “problemas que são nacionais.” Processo para o qual este tipo de infraestruturas de armazenamento e ligações pode ser um eixo fundamental. “Uma plataforma logística destas pode mudar a competitividade”, garantiu o diretor-geral da Sodecia Powertrain Guarda, Gabriel Alves. Para Álvaro dos Santos Amaro, presidente da Câmara Municipal da Guarda, é claro, por exemplo, que “só melhoramos se tivermos as soluções cá perto.”

“O que nós convencionamos chamar de Interior só pode ter pérolas”, sustentou José Félix Ribeiro, num apelo à plateia de continuar a apostar na diferenciação e qualidade, mesmo com todos os desafios ainda existentes. Será a única forma de trazer à tona a “falsa interioridade.” Que ainda assim se encontra em desvantagem pela falta de boas acessibilidades e com um conjunto de estradas intrarregionais e municipais que dificultam as deslocações, além do ónus colocado pelas portagens nas vias rápidas. Bem feitas, “as ligações intrarregionais podem acabar com Interior de 2ª e 3ª divisão, como aconteceu com o túnel do Marão”, defendeu Nuno Ferreira.

António Costa (moderador), Gabriel Alves, António Plácido Santos, Nuno Ferreira, Orlando Faísca e Francisco Cary em debate
José Fernandes

Citações

“O que produzimos aqui significa que temos que ir aos grandes centros urbanos vender e conseguir notoriedade. E isso não é fácil”
António Plácido Santos
Presidente do conselho de administração da Prisca Alimentação

“Espero que o Estado crie uma fiscalidade que permita uma discriminação positiva. Assim poderemos atrair mais talentos também”
Orlando Faísca
Administrador da Floresta Bem Cuidada

“Se estivéssemos a discutir aqui há uns anos o problema não era a atração de emprego”
Jorge Coelho
Empresário

“No Interior, o que é difícil pode ser atingido. É preciso sermos determinados, insistir e estarmos preparados para a mudança”
Paulo Macedo
Presidente da comissão executiva da CGD

Textos originalmente publicados no Expresso de 22 de dezembro de 2018

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