Património vende Portugal. “Não nos estraguem os retrovisores”

Integração da cultura num turismo que se quer sustentável em foco no debate em Évora
Integração da cultura num turismo que se quer sustentável em foco no debate em Évora
Porque é que o património é importante? “Para que nos compreendamos melhor a nós próprios” e para que os outros percebam de onde viemos, a acreditar no presidente da Fundação Arpad Szenes-Vieira da Silva, António Gomes de Pinho. Seja físico ou imaterial, é algo que dá imagem de marca e identidade ao turismo. Palavras a que nunca se pode deixar de acrescentar a sustentabilidade. Se já é sobejamente conhecido que o turismo vive uma era de inusitado vigor em Portugal — 12 por cento é quanto cresceram as atividades relacionadas com o sector em 2017, o quádruplo do resto da economia — também não deixa de ser verdade que o crescimento a longo prazo e com reflexos equitativos em todo o território tem de ir ao encontro das grandes tendências que já se vislumbram. “Não concebemos os hotéis apenas como espaços para dormir”, revela Gonçalo Rebelo de Almeida. O CEO do Vila Galé foi um dos convidados do XIV Encontro Fora da Caixa, ciclo de conferências organizadas pela Caixa Geral de Depósitos (CGD) em diferentes pontos do país e a que o Expresso se associa. Évora, cidade património mundial da humanidade, foi o local escolhido como representação de um Alentejo cada vez mais vital para estas aspirações e que, na óptica do turista, se procura destacar por “oferecer produtos que consigam transmitir essa vertente cultural.”
Perante uma plateia de empresários e autarcas da região, o reflexo da promoção da cultura e do património no tecido económico — €221 milhões é o valor acrescentado representado pelo turismo de cariz cultural no país — esteve em destaque. “Sem dúvida que o património recuperou muito terreno nos últimos anos, garante Santiago Macias. Seja, por exemplo, no restauro de monumentos da história local e nacional ou na elevação de tradições regionais ao estatuto de Património Imaterial da Humanidade, como o cante alentejano ou o figurado em barro de Estremoz. “Não nos estraguem os retrovisores”, pediu o historiador. Pedido que foi dirigido de forma amistosa a Augusto Mateus, antigo ministro da Economia.
O professor catedrático afirmou não “termos nada para trás que nos ajude a enfrentar esta conjuntura relativamente favorável” em referência às opções do passado, muitas delas “erradas.” O arrojo e o risco são o caminho quando “vivemos numa economia de resposta à procura” e que deve ser baseada na geração de valor acrescentado. “A cultura, a criatividade e o conhecimento estão no coração de um novo paradigma”, que “transforma as pessoas em portadoras de civilização”, enquanto gastam “mais em bens e serviços culturais.” Com reflexos na qualidade e diversidade dos serviços disponíveis.
Proteger e promover
Apesar de Portugal ter visto o seu nível de educação crescer, Augusto Mateus acredita que não é possível “valorizar o pequeno sem sermos universais.” É o medo da globalização que muitos ainda têm e que classifica como “algo dramático”, com a certeza de que “se há povo que não o devia ter somos nós.”
Agarrar a oportunidade conjuntural deve ser agora o grande desígnio, com “condições para que a cultura e a criatividade sejam chamadas a protagonizar o processo de reforço da internacionalização.” É uma época de mais confiança e que representa uma grande “oportunidade para proteger o património”, na opinião do presidente da comissão executiva da CGD, Paulo Macedo. E também para o promover, como tem feito o Arte Institute, a partir de Nova Iorque. Fundado na Big Apple por Ana Miranda, surgiu como uma resposta à imagem preconcebida de que “o rancho e o fado eram as nossas únicas representações culturais.” Atualmente fazem 125 eventos por ano em 72 cidades de mais de 30 países com a crença de que “através da arte se representa o país.” É um papel de promoção que entidades como a Fundação Eugénio de Almeida, em Évora, levam a cabo. Neste caso de forma “perfeitamente autossuficiente”, conta o presidente do conselho executivo da fundação, José Mateus Ginó. O “turismo vinícola que se procurou afirmar pela singularidade” está assente num projeto cultural com um espaço de exposições no centro da cidade e ações de dinamização pela região. Até porque, como lembra o presidente do Monte da Ravasqueira, Pedro de Mello, “a cultura tem de começar na escola.” Assim como o turismo tem de se distinguir pela qualidade e características distintivas, numa zona em que a competição é feroz. E sítios como Lisboa não estão assim tão distantes.
É certo que ainda há muito a fazer, mas é certo que o processo de colaboração mais ativa entre o sector turístico e cultural está bem encaminhado. “Já me confrontei com vários casos de pessoas que não conheciam Portugal, mas que mudaram de opinião com o valor dos criadores culturais portugueses”, revela António Gomes de Pinho. Com um ciclo positivo que “está para durar três, quatro anos”, Francisco Cary, administrador-executivo da CGD, alerta para a necessidade de “aproveitar para investir e melhorar as nossas fraquezas” a partir do património.
“É a inteligência com que trabalhamos
e a capacidade
que temos de nos diferenciar que
cria crescimento”
Augusto Mateus
Professor catedrático
“Se queremos mudança, as pessoas não podem ficar eternamente
à espera que
o Estado apareça para lhes resolver
os problemas.
Temos que ser
nós a fazer por isso”
Ana Miranda
Diretora e fundadora
do Arte Institute de Nova Iorque
“O alojamento local está a dinamizar o sector do imobiliário de forma muito significativa”
Paulo Macedo
Presidente da comissão-executiva
da Caixa Geral de Depósitos
“Não podemos
ceder à tentação
do novo-riquismo
e deixar cair
ao abandono os pedaços
da nossa história”
Santiago Macias
Historiador
“Há património português em todos os continentes e somos um país com capacidade enorme de conhecer os outros. É obrigatório aproveitar estas mais-valias”
António Gomes de Pinho
Presidente da Fundação
Árpád Szenes-Vieira da Silva
“Trata-se de um tema que me diz muito”, começou por dizer Miguel Sousa Tavares. O comentador esteve à conversa com o jornalista Paulo Ferreira sobre as diferenças entre descentralização e regionalização, tema que considerou ir de encontro ao tópico escolhido para o XIV Encontro Fora da Caixa — a cultura e turismo — assim como uma distinção relevante a fazer numa região como o Alentejo. “Há muitos anos que o despovoamento do interior é, se não um dos principais, o principal problema do país, a meu ver”, garantiu, enquanto recordou os fatores históricos de concentração de serviços e instituições nos grandes centros do litoral que contribuíram para uma imagem de abandono do interior do país. Sem esquecer o desinvestimento na agricultura, quando “a vendemos por 120 milhões de contos à Europa. Um erro trágico.” Problemas a que o movimento da regionalização se impunha como panaceia mas, na sua opinião, não passava de uma forma de criar mais burocracia e cargos políticos sem efeitos práticos. “O meu pai chegou a dizer-me que era a última asneira que faltava fazer neste país”, contou.
Daí que a descentralização, sobretudo na sequência dos incêndios do ano passado, faça mais sentido como forma de colocar mecanismos e atividades culturais, por exemplo, mais próximo de populações que de outra forma não lhes têm acesso. É o que identifica como um problema histórico, o “de não conseguir pensar a longo prazo”, e que merece um apelo à “mudança de mentalidade.” Sob pena de deixarmos de ter condições para resolver os problemas: “A ausência de futuro é o preço que pagamos pelo abandono.”
Textos originalmente publicados no Expresso de 24 de março de 2018
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