“Portugal de Leste” quer saltar o muro e chegar a todo o mundo

Desafios da interioridade no futuro próximo estiveram em destaque em Castelo Branco
Desafios da interioridade no futuro próximo estiveram em destaque em Castelo Branco
Jornalista
“As nossas empresas são como os bons vinhos: amadurecem bem e demoram a envelhecer”, atira João Carvalho. O presidente do conselho de administração da Fitecom utilizou a frase para se referir às empresas do interior do país, mais concretamente às da Beira Interior, região que assume as dificuldades e obstáculos de uma situação quase insular mas que olha para o que de melhor tem para encontrar forma de se impor. É a obrigação de uma geração, assumem quase todas as vozes que compuseram mais uma paragem dos Encontros Fora da Caixa.
A 11ª edição do ciclo de conferências organizadas, desde o ano passado, um pouco por todo o país pela Caixa Geral de Depósitos — com o apoio do Expresso — escolheu Castelo Branco para uma série de conversas e apresentações subordinadas ao tema “Interioridade: Perspetivas de Futuro e Condicionantes Ambientais.” Perante um Cine-Teatro Avenida repleto, os grandes desafios e o trabalho a fazer para os enfrentar ficaram bem patentes. Uma espécie de “Portugal de Leste”, como descreveu Francisco Seixas da Costa, como que “ainda separado por um muro” e que continua a manter-se “com grandes índices diferenciados”, onde o PIB per capita em termos de paridade de poder de compra é, em média, menos de 75%, para se ter uma ideia. Quando se fala tanto em regionalização, o antigo embaixador acredita que o interior pode ser prejudicado na correção destas anomalias endémicas se for adotado um “modelo mais horizontal em detrimento de um vertical.” Porque só assim as necessidades de Bragança e Castelo Branco serão mais parecidas do que as de Porto e Castelo Branco.
Situação de que as estradas são exemplo. “Falamos das mais caras do país”, diz João Carvalho, numa frase recebida na sala com aplausos. O preço das portagens para entrar, sair e circular na região foram constantemente visados como um fator extra que obriga as empresas locais a serem mais diferenciadoras para competir e outras a pensarem duas vezes antes de explorarem as potencialidades da Beira Interior. “Por cada €100, pagamos €35 a mais”, afirma o administrador do Grupo Natura IMB Hotels, Luís Veiga. Sem esquecer o preço da água, um dos temas mais contenciosos numa área onde a atividade agrícola e o turismo de natureza são de grande importância.
“Diferenciação entre serviços e taxas” para com o resto do país que Luís Veiga não tem dúvidas em classificar como “uma situação imoral” e que obriga empresários e empreendedores da região a apostarem cada vez mais na excelência do trabalho e dos serviços para que “os clientes paguem os produtos” da zona — como acontece com a cereja do Fundão (ler caixa) — numa região onde 26% da produção já é de agricultura biológica.
Visão pombalina
Não há como esconder que os efeitos dos incêndios ainda estão bem presentes e, mais do que nunca, a visão de futuro também tem de se estender às infraestruturas e equipamentos. Do lado dos decisores políticos, importa “agir no imediato, na reconstrução e na reabilitação para dar nova vida às zonas afetadas”, defende Emílio Rui Vilar. O presidente do concelho de administração da Caixa Geral de Depósitos vai mais longe e pede mesmo “uma visão pombalina” para “pensar e preparar as mudanças estruturais no ordenamento de território” e aproveitar a “dinâmica positiva” que se sente. Para o ex-secretário de Estado da Administração Local, João Taborda Gama, as “pequenas cidades do interior” têm de ser capazes de impor “a sua agenda a Lisboa.” Porque o inverso é mais complicado.
Quando os dados mais recentes do INE mostram que o desemprego só não desceu em quatro municípios da Beira Interior, é natural que o otimismo tenha sido das palavras a passar mais de boca em boca ao longo da tarde. “Se fosse para esboçar numa tela o que é a interioridade teria umas manchas muito escuras” mas sobretudo “cores muito claras”, garante Cláudia Domingues Soares, presidente da direção da Inovcluster de Castelo Branco (que representa um conjunto de 180 parceiros), para a seguir falar da esperança numa nova fase para a qual poderão também contribuir projetos que possam “incentivar uma posição proativa” desde cedo. A responsável acredita que as empresas da região têm correspondido bem a uma fasquia mais elevada e já conseguem posicionar-se “pela qualidade.”
Para Francisco Cary, administrador executivo da CGD, as “cidades do interior têm que procurar os seus fatores de diferenciação e atração de população” enquanto “fator crítico de sucesso”, com o papel de instituições superiores (como a Universidade da Beira Interior) a ser importante na atração de mais talento. Como importante é também o aproveitamento da fronteira com Espanha e “pensar global”, de acordo com o economista José Félix Ribeiro. Com uma aposta clara na inovação como já acontece com os investimentos de empresas como a Navigator e a Altri, ou mesmo com o Laboratório de Termodinâmica e Aeronáutica instalado em pleno Castelo Branco, que colabora com a Agência Espacial Europeia. “Isto não é de um país atrasado”, realça. Ao contrário do que se possa pensar, “o interior não é um espaço diminuído” sublinha Luís Veiga. “É uma nova fronteira de oportunidades”.
Produto embaixador da região, a cereja do Fundão é conhecida nacional e internacionalmente. Como explicou à audiência José Tomaz Castello-Branco, diretor da Quinta da Porta e CEO da Cerfundão, organização empresarial de produtores, os últimos anos viram uma grande mudança nos métodos que permitiram aumentar a produtividade por hectare e trabalhador. Após décadas de “crescimento desorganizado”, hoje já se utilizam “alguns dos métodos agrícolas mais avançados ” que contribuem para lançar produtos e derivados “topo de gama”. Um mercado muito valioso que vale perto de €20 milhões e atrai sensivelmente 135 mil turistas por ano. “É muita fruta”, diz.
“Há cada vez mais qualidade de vida nas cidades do interior,
o que facilita que
as populações mais jovens se fixem.
A digitalização
dos negócios também ajuda a trabalhar
à distância”
Francisco Cary
Administrador-executivo da CGD
“As nossas empresas têm que trabalhar
e esforçar-se muito mais para chegar ao mesmo patamar das empresas do litoral. A palavra-chave para nós é colaboração”
Cláudia Domingues Soares
Presidente da direção da Inovcluster
“Temos que nos adaptar à mudança, não podemos ter sempre um ano atípico, até porque como diz Darwin quem melhor
se adapta é quem sobrevive.
Os estrangeiros só investem enquanto as condições
forem favoráveis”
João Carvalho
Presidente do conselho
de administração da Fitecom
“Existe uma lógica paternalista de Lisboa face ao resto do país. Ainda temos uma entropia centralista muito grande, endémica, e se há uma tendência de aproximação,
esta tem que ser acompanhada
da transferência
de recursos”
Francisco Seixas da Costa
Diplomata
“Quando o mercado local é muito pequeno,
como acontece aqui, é difícil sobreviver. Temos que provar ser capazes de trabalhar em conjunto.
Como aconteceu
no caso da fruta”
Luís Veiga
Administrador
do Grupo Natura IMB Hotels
“Temos que mudar algumas práticas.
Se todos cumprirmos, todo o sistema funciona muito melhor. Com taxas
de juro tão baixas, não compensa alterar ou adiar
o cumprimento
de planos
de financiamento”
Paulo Macedo
Presidente da CGD
Textos originalmente publicados no Expresso de 20 de janeiro de 2018
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