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Olhares do Mediterrâneo — Women’s Film Festival: se um povo e um território fazem um país, as mulheres e um mar fazem um festival de cinema

“Foragers”, de Jumana Manna, obra palestiniana de género híbrido, entre o documentário e a ficção
“Foragers”, de Jumana Manna, obra palestiniana de género híbrido, entre o documentário e a ficção

A Turquia é o país em destaque na décima edição do Olhares do Mediterrâneo — Women’s Film Festival. Cláudia Clemente e Ânia Bento estão na competição

Criado para ter apenas uma edição, o Olhares do Mediterrâneo conseguiu impor-se ao longo da última década, sem se desviar da intenção de dar visibilidade ao trabalho cinematográfico das mulheres oriundas desta geografia, ao mesmo tempo que se afirma como “festival de intervenção” que quer criar espaço de pensamento e de debates.

Este ano, e tendo em conta não só o filme de abertura como também um dos selecionados para a competição oficial, o debate difícil de evitar passa pela radicalização islâmica, pela guerra e pelas situações de precariedade que muitas vezes as antecedem, mas também pela identidade enquanto elemento de alavanca da violência.

É a multipremiada ficção, inspirada na realidade, “You Resemble Me”, de Dina Amer, filme produzido por Spike Lee e Spike Jonze, que introduz o tema da identidade, radicalização e terrorismo no feminino, que voltará a estar presente na competição geral, através do filme “Matchmaker”, realizado por Benedetta Argentieri. Este último é um documentário no qual se conta a história da jihadista britânica Tooba Gondal, conhecida como “a casamenteira do ISIS”, por ter recrutado uma dezena e meia de mulheres ocidentais, entre 2014 e 2017, para esposarem combatentes no Daesh.

Mas há também “The Wedding Parade”, da autoria da curda síria Sevinaz Evdique, igualmente em competição, sobre três jovens na fronteira entre a Síria e a Turquia, e ainda “Foragers”, de Jumana Manna, obra palestiniana de género híbrido, entre o documentário e a ficção, sobre a tensão entre a Autoridade Israelita de Proteção da Natureza e os respigadores palestinianos.

Na competição geral contam-se dois filmes de realizadoras portuguesas: “Quatro Mulheres à Beira da Água”, de Cláudia Clemente, em que quatro mulheres falam de um homem que morreu, e “Uma Situação Temporária”, de Ânia Bento, no qual se acompanha o quotidiano da vida de duas jovens, de 30 e 20 e poucos anos, e suas constantes dificuldades económicas e sociais.

Em jeito de celebração destes 10 anos de festival, o Olhares do Mediterrâneo faz regressar o filme com o qual abriu essa primeira mostra. “Watchtower”, de Pelin Esmer, está programado para encerrar o festival e aparece incluído na secção especial que este dedica à Turquia. Aqui apresentam-se nove filmes, da ficção ao documentário, em formatos de curtas e longas-metragens, que privilegiam o olhar do feminino/queer, atrás e à frente da câmara, escolhidos em cocuradoria com a montadora turca Selda Taşkın.

Da Turquia, país onde houve mais filmes realizados por mulheres nos últimos 10 anos do que nos primeiros 50, podem ser vistos filmes de Yeşim Ustaoğlu, Ahu Öztürk, Belmin Soylemez, Burcu Aykar, Naz Çaybaşi, Nesra Gürbüz, Pinar Yorgancioglu e Senem Tüzen; que ora nos introduzem na vida das mulheres da limpeza curdas e nos seus desgostos (“Dust Cloth”, de Ahu Öztürk), ora nas tensões entre a ruralidade e a urbanidade, mães e filhas (“Motherland”, de Senem Tüzen), ou na simples descoberta do mar (“Waves”, de Belmin Soylemez). Pelin Esmer apresenta, além de “Watchtower”, “The Play”, onde nove mulheres camponesas se reúnem para escrever e levar à cena uma peça sobre as suas vidas.

Há também uma secção chamada Travessias, para a qual foram selecionados oito filmes sobre assuntos como as migrações, o racismo e colonialismo, no qual está “Foragers”. Estão previstos debates depois de algumas exibições (como a de “The Matchmaker”), exposições, música e workshops. Nesta edição, o festival avança para um curso de escrita para cinema, dirigido por Cláudia Clemente, uma masterclass e um debate sobre programação cinematográfica no feminino.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: cmargato@expresso.impresa.pt

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