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“O cinema fantástico não admite falhas. Nem uma. É implacável”: entrevista a Thomas Cailley, realizador de “Reino Animal”

Thomas Cailley e Romain Duris na rodagem de "Reino Animal"
Thomas Cailley e Romain Duris na rodagem de "Reino Animal"

O realizador e argumentista francês Thomas Cailley falou ao Expresso a propósito da estreia de “Reino Animal”. “Num filme destes, podemos produzir dezanove criaturas convincentes mas, se falhamos a vigésima, estamos tramados. Todo o trabalho anterior cai por terra”, diz em entrevista

A sua longa-metragem anterior, “Os Combatentes”, anunciava já uma atração especial pelo cinema fantástico e “Reino Animal”, neste aspeto, é um salto gigante, com uma ambição a nível visual e de efeitos especiais pouco comum no cinema europeu. O resultado no ecrã salta à vista. Mas atrás do que se vê, há uma relação pai-filho que se vai construindo. Este filme começou por aqui?
É difícil responder. Na verdade, “Os Combatentes” já começava pelo mesmo assunto. Na primeira cena desse filme, há um filho que enterra o seu pai. Em seguida fiz uma série, “Ad Vitam”, sobre a imortalidade num contexto de ficção científica. “Ad Vitam”, resumindo, só falava de uma coisa: da invenção da paternalidade entre um polícia e uma jovem mulher com tendências suicidas. No caso de “Reino Animal” - e isto para ser completamente honesto com a pergunta - o tema da filiação chegou ao guião do filme antes da ideia da transformação homem-animal. Tanto assim é que a transformação, para mim, é uma metáfora muito interessante da relação pai-filho. O que significa crescer, tornar-se adulto? E qual é o ponto de vista do pai, que assiste à transformação do filho em algo que ele não esperava? Estas questões são praticamente uma definição da parentalidade.

Esta fusão homem-animal não é nova na história do cinema mas é sempre assustadora, o filme convoca desde o primeiro instante uma ideia de cinema de género, estamos entre a ficção-científica e o horror…
Não é nova no cinema e, se pensarmos bem, nem sequer é nova na história da humanidade. Já nos desenhos das grutas do Paleolítico a fusão homem-animal era motivo recorrente. Em contrapartida, acho que é interessante, ousado, original, a ideia de utilizar essa metáfora para falar das relações de destruição entre os seres humanos e os ecossistemas. Vivemos num planeta que se estraga e se esgota factualmente de dia para dia, há cada vez menos espécies, menos vegetação. E nós somos os responsáveis por isso. Ora, em vez de figurar mais uma ficção pós-apocalíptica igual a tantas, julguei ser mais válido construir um filme em que a mutação quer provocar o contrário disso, trazer um enriquecimento.

Foi longo o processo de escrita do argumento, em parceria com Pauline Munier?
Esta história para nós tem três corações. O primeiro é o ritual de iniciação de Émile, a sua emancipação, a sua entrada na vida adulta, a vontade de transgredir, de dizer 'não' ao pai. Em torno de Émile surge também o segundo foco importante: a ideia da transmissão, do legado e da sua responsabilidade. Um terceiro assunto, mais largo, rodeia tudo isto. É a questão da diferença. Como é que acolhemos na nossa vida o que é diferente ou, por outro lado, porque é que rejeitamos a diferença e nos tornamos violentos por ela? Podemos partilhar e habitar um mesmo espaço com aquilo que é diferente de nós? É um assunto com imensas interpretações, bem sei. E não o digo por acaso: nos muitos debates que tive com o público para a estreia de “Reino Animal” em França, este filme serviu de comentário a coisas tão díspares como as crises migratórias na Europa, o estado atual da psiquiatria em França, o anti-semitismo ou as transições de género!

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