Imagine ser um polemista de clique e ficar pré-ofendido porque em breve sairá uma nova tradução da “Ilíada” para inglês. A tradução foi feita por uma mulher, Emily Wilson, e de certeza — de certeza! — que Aquiles e os mirmidões vão ficar menos machos. A certeza vem de Emily Wilson ter traduzido a “Odisseia” há dez anos (foi, na verdade, a primeira mulher a traduzi-la para língua inglesa) e o nosso polemista de clique ainda estar hiperofendido por a tradutora ter chamado a Ulisses “complicado”.
Esta descrição, que corresponde a factos reais recentes, peca por defeito. O polemista não está só ofendido; considera a tradução “abominável” e “crime contra os clássicos”. Lança o seu grito de guerra contra um Homero woke; acompanha as suas publicações com imagens, tiradas de vídeos da tradutora, nas quais congelou a face dela num esgar, fazendo-a parecer uma louca vingativa. Como um advogado de acusação, pretende mostrar que há uma prova da intenção e uma prova do crime. A prova da intenção está numa entrevista que a tradutora deu há anos na qual diz que “a ‘Odisseia’ identifica profundos receios masculinos com o poder das mulheres” (é verdade, e logo desde o início; a ‘Odisseia’ começa com Ulisses preso na ilha da belíssima Calipso, com medo de não ser capaz de a abandonar para regressar à sua Penélope).
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