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Desta ilha que se tornou apelido. Uma viagem com Dino D’Santia­go a Cabo Verde

Desta ilha que se tornou apelido. Uma viagem com Dino D’Santia­go a Cabo Verde
Vadu Rodrigues

Dino deve a Santiago o nome artístico pelo qual todos o conhecem. Mas foi já na idade adulta que as suas origens cabo-verdianas se tornaram parte de quem é. Um regresso ao arquipélago que é também uma viagem ao interior de si mesmo

Desta ilha que se tornou apelido. Uma viagem com Dino D’Santia­go a Cabo Verde

João Miguel Salvador

Coordenador digital

A mulher badia é aquela mulher que pega no seu filho e o mete às costas de manhã, sai à rua para ir buscar água, mete água ou lenha à cabeça, dá de mamar à criança no caminho, chega a casa e volta a dar de mamar ao bebé. A criança dorme e ela vai cozinhar antes que o homem chegue a casa. Assim canta Nha Balila. A cantadeira cabo-verdiana nascida na Serra Malagueta e que amanhã completa 92 anos, sabe bem quais são os maiores problemas do país onde nasceu. É o mesmo país de onde Isidora Semedo Correia, nome de batismo, saiu em busca de melhores condições mas para onde voltou sempre. Viveu em Angola, esteve nas roças de São Tomé, foi a Portugal “para curar a vista, conhecer Nossa Senhora de Fátima”, mas não teve os resultados que esperava. Isso não a impede de estender os braços, fazer a sua reza improvisada e dar a Dino D’Santia­go, de 39 anos — que lhe destina a ela e a Bitori Nha Bibinha, considerado uma lenda viva do funaná, os seus direitos de autor em África —, a bênção esperada para iniciar uma viagem às suas raízes, ao que inspirou o novo disco “Badiu”, ao interior da ilha onde também os seus pais nasceram. “Agora, em dezembro, deve receber outra carta, como no ano passado”, aproveita Dino para dizer. Nha Balila agradece, o complemento anual ajuda a equilibrar as contas e a ter uma velhice mais confortável, mas não é isso que a move.

“Eu sou atrevida, não vejo com os olhos mas vejo com o coração”, diz ao Expresso na própria casa, no bairro de Tira Chapéu, mas esse atrevimento da mulher que vive na cidade da Praia há mais de 50 anos (e que carregou areia e cimento para a construção da Assembleia Nacional, por exemplo) não se esgota nas frases que tem sempre prontas, como se de letras de canção se tratassem. É através do batuku e da tradição oral do finason — que poderá estar na origem do rap e cujos ritmos terão chegado a Cabo Verde num barco escravo da costa ocidental africana —, cantados naquele rés do chão de varanda amarela, que as histórias se revelam. Umas são de hoje, outras remontam há várias décadas e são muitas as que juntam vários tempos (não raras vezes suspende a conversa para retificar uma data), mas há algumas que esta mulher, de óculos escuros, lenço na cabeça e camisa rosa axadrezada, preferia deixar para trás. É o caso das histórias que, parecendo ser meras crónicas do quotidiano, encerram em si o medo da violência doméstica que Nha Balila cantava no início.

Este é um artigo do semanário Expresso. Clique AQUI para continuar a ler.

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