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Todos os contos de Javier Marías. O horror de recordar tudo

Com o estilo que lhe conhecemos dos romances, Javier Marías (Madrid, 1951) faz de cada conto uma experiência narrativa singular e um triunfo da linguagem
Com o estilo que lhe conhecemos dos romances, Javier Marías (Madrid, 1951) faz de cada conto uma experiência narrativa singular e um triunfo da linguagem
Quim Llenas/Getty Images

Javier Marías, talvez o maior ficcionista espanhol vivo, reuniu num só volume a totalidade dos seus contos. Entre fantasmas e assassinos, duplos e voyeurs, pulsa e vibra a experiência humana

Há grandes romancistas que se revelam contistas medíocres e vice-versa (contistas geniais que não passam de romancistas sofríveis). Raros são os escritores igualmente bons nas narrativas de grande fôlego e nas mais breves. É o caso de Javier Marías. Além dos seus 15 romances, publicados entre 1971 (“Los Dominios del Lobo”) e 2017 (“Berta Isla”), o escritor madrileno escreveu algumas dezenas de contos, a maioria dos quais reunidos em dois volumes: “Enquanto Elas Dormem” (1990) e “Quando Fui Mortal” (1996). Sentindo que já não lhe sobra energia, ou talvez vontade, para ampliar a sua produção neste género literário, decidiu juntar o essencial desse labor num único volume.

O que mais impressiona quando lemos os textos todos de uma vez, além do absoluto domínio das convenções narrativas (mesmo se rapidamente as inverte, as subverte ou as reinventa), é a extraordinária consistência da voz autoral. Há na escrita de Marías uma densidade muito própria, um tom único, uma toada inimitável, e essa escrita idiossincrática funciona aqui, nas dimensões limitadas de um conto, com a mesma carga de verosimilhança e brilho formal que encontramos nos seus romances. Cada conto vale por si, é uma peça autónoma, mas há constelações de sentido que se estendem de uns textos para os outros, não apenas através da revisitação de certos temas centrais (a ideia de fantasma, o diálogo como exercício confessional, o escavar das dimensões mais sombrias da experiência humana), como até do diálogo explícito com a obra romanesca (‘Na viagem de núpcias’, por exemplo, recupera uma situação do romance “Coração Tão Branco”, resolvida de outra maneira; e o episódio descrito em ‘Um epigrama de lealdade’, diz o autor, “só os leitores do meu romance ‘Todas as Almas’ (1989) disporão dos dados necessários para a sua compreensão cabal”).

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: josemariosilva@bibliotecariodebabel.com

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