“Se não tiver o gosto de falar, ninguém vai ter o gosto de ouvir” Esta é a “Viagem de Inverno” de Elfriede Jelinek
A peça de Elfriede Jelinek parte do ciclo de Schubert “Viagem de Inverno” e reconfigura-o para um teatro de pura atualidade
A peça de Elfriede Jelinek parte do ciclo de Schubert “Viagem de Inverno” e reconfigura-o para um teatro de pura atualidade
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Franz Schubert compôs o ciclo “Viagem de Inverno” (“Winterreise”) em 1827, a partir de 24 poemas de Wilhelm Müller (1794-1827), de quem já utilizara textos para o seu primeiro ciclo de Lieder, “A Bela Moleira” (“Die Schöne Müllerin”, 1823). O título, já utilizado por Müller, refere elementos concretos que justificam e legitimam a expressão: o frio, o gelo e uma desolação muito frequentemente associada ao inverno. É a partir desta tonalidade, em princípio emocional, que é possível partir para uma descrição e uma apreciação, embora muito sucintas e estritamente aproximativas, no plano musical, daquilo que pode ser o sentido ou o universo de sentidos quer do ciclo quer da utilização da expressão “Viagem de Inverno”. Percorrer os títulos de alguns dos Lieder do ciclo é já dar conta de muito daquilo que a obra é, ou de que trata, ou que refere. “Boa Noite”, “O Catavento”, “Lágrimas Geladas”, “No Rio”, “Fogo Fátuo”, “Descanso”, “Solidão”, “O Correio”, “Última Esperança”, “Ilusão” e “A Estalagem” são alguns exemplos. “Viagem de Inverno” é uma espécie de narrativa — ‘descrição’ será, eventualmente, um termo menos incorreto — de um percurso que começa com um adeus, a que “Boa Noite” faz referência; o adeus do viajante à mulher amada e a partida para uma viagem que, de imediato, adquire os contornos da errância.
É uma viagem cuja motivação inicial — a volubilidade amorosa e a desadequação entre amantes — se vai manifestando, ao longo do ciclo, e assumindo aspetos de uma progressiva, embora não linear, dissolução de pontos de referência não apenas espaciais mas emocionais, afetivos, psicológicos, existenciais. A memória de um tempo feliz irrompe episodicamente, para cada vez mais acentuar uma espécie de final que não é a morte física — até esta é negada —, mas sim uma espécie de congelamento do espírito; um tocador de realejo, nas margens do convívio humano, faz girar maquinalmente a sua manivela, como um parafuso sem fim, e consubstancia todo o horizonte existencial do sujeito da obra, o viajante.
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