

Carlos do Carmo acabara de admitir, sem qualquer dramatismo na voz, que o último disco se poderia vir a chamar “Até Sempre”, quando o telemóvel, guardado no bolso do casaco pendurado no cabide, tocou. No intervalo da gravação de um tema que iria incluir no novo disco, o cantor preferiu ignorar o toque insistente do telefone e continuar a partilhar as grandes alegrias que o novo CD lhe dava. Entre elas estava o facto de ter encontrado (“finalmente!”) um poema de Herberto Helder cantável. Decidira acrescentar-lhe (depois de uma longa conversa, como sempre faz, com Maria Judite, a sua mulher) um poema de Sophia, no qual consegue ver a poetisa “a pôr os pés na areia”, um Saramago que “não é sisudo”, uns versos de Hélia Correia e Pedro Mexia feitos a convite do cantor e uma contribuição do pintor Júlio Pomar, de quem se tornou amigo na última década. A chamar-se “Até Sempre”, explicava Carlos do Carmo, o disco não pretendia ser um adeus do cantor à música. Apenas ao formato. Uma despedida “do CD, aquela coisa que hoje já não se vende” e na qual Carlos do Carmo ficará para a história como o primeiro artista português a nele gravar: “Seria giro ser também o primeiro artista português a deixar de gravar CD.” Hoje, é essa hipótese que retoma. Porque depois daquela tarde do dia 22 de maio de 2018 algumas coisas mudaram. A tarde de trabalho interrompeu-se, porque do outro lado do toque insistente do telemóvel estava o anúncio da morte do amigo Júlio Pomar. E, por razões de saúde, das quais não se quer “queixar”, Carlos do Carmo não voltou a gravar. Mas foi perante uma das mais magníficas vistas de Lisboa que falámos da vontade de se despedir dos palcos, recordando momentos da sua vida longa e feliz. Inevitavelmente, e para quem o conhece, Carlos do Carmo, o homem que deu novos caminhos ao fado, e que a família considera “poderosamente ingénuo”, acabaria por reforçar a sua fé no sonho, apesar dos tais 160 anos que diz ter: “Pobre de quem não sonha. As pessoas têm o direito de sonhar. O mundo avançou com pessoas que sonharam e que sonham, e põem em prática os sonhos.” E Carlos do Carmo ainda tem alguns sonhos por concretizar.
Como é que se prepara uma despedida?
Não lhe sei responder. É uma boa idade para parar. Vou fazer 80 anos. Não gostaria de passar uma imagem de decadência depois de, ao longo da vida, ter sido tão bem tratado. Sinto esse direito. Não farei outros concertos [além dos marcados para novembro], e julgo estar a falar verdade. O que não invalida a possibilidade de vir a aceitar um convite para algo isolado.
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