Cultura

Inicialmente comparada à América de Trump, série “The Handmaid's Tale” entra numa nova fase

Elisabeth Moss protagoniza “The Handmaid’s Tale”. A atriz interpreta June, uma mulher independente transformada em serva que luta pela sua liberdade
Elisabeth Moss protagoniza “The Handmaid’s Tale”. A atriz interpreta June, uma mulher independente transformada em serva que luta pela sua liberdade
FOTO MGM TELEVISION ENTERTAINMENT INC.

A terceira temporada de “The Handmaid’s Tale” estreou-se esta semana no serviço de streaming NOS Play. A história distópica de uma sociedade patriarcal instalada nos Estados Unidos dos nossos dias continua a ser contada através de June. O que nos reserva Gilead este ano?

Inicialmente comparada à América de Trump, série “The Handmaid's Tale” entra numa nova fase

João Miguel Salvador

Coordenador digital

Por favor, meu Deus. Toma conta dela, protege-a. Porque isto não é um sítio com águas calmas e pastos verdes. Se não reparaste, isto é o Vale da Morte.” As palavras de June para Deus, ao entregar a sua bebé recém-nascida a Emily (Alexis Bledel) depois de a fazer prometer que lhe dará o nome de Jennifer, mostram como o que se vive em Gilead é mais complicado do que à partida se julgaria.

Enquanto luta para se libertar de uma sociedade machista e patriarcal, criada a partir de uma interpretação literal da Bíblia, June continua a confiar a uma entidade superior a proteção de uma filha. E esse é apenas um dos pormenores que podiam ser considerados uma contradição, não fosse esta a maior distopia da televisão à escala global.

Depois de duas temporadas de sucesso, “The Handmaid’s Tale” promete entrar numa nova fase, “conduzida pela resistência de June ao regime distópico de Gilead e a sua luta contra todas as esmagadoras probabilidades”, lê-se na sinopse dos novos capítulos, que contarão com “reuniões inquietantes, traições e uma aterradora viagem ao coração de Gilead” que forçará “todas as personagens a tomar uma posição”.

Embora o tom da série se mantenha, é já certo que esta terceira temporada de “The Handmaid’s Tale” será menos violenta do que a anterior. A garantia é dada pelo próprio Bruce Miller, criador e showrunner da série, que explica como a sua equipa foi ao encontro das expectativas dos telespectadores e de várias vozes da crítica — que consideraram o segundo conjunto de episódios demasiado violento, sem que esses momentos chocantes tivessem um propósito narrativo claro. Do lado criativo há quem se defenda.

Uma vez que a história é contada da perspetiva de June (interpretada por Elisabeth Moss), os responsáveis pela produção consideraram que fazia sentido apresentar de forma gráfica os abusos a que a personagem era sujeita. Mas agora, numa fase diferente do arco narrativo, isso já não será tão evidente. Acontece por June, tratada por Offred por aqueles que a controlam, já conhecer melhor o que está em causa e saber como agir sem deixar que a humilhem como antes.

Esta é uma história de coragem desde o início, só que agora será o tempo de o tabuleiro do jogo virar. “Blessed be the fruit” [bem-dito seja o fruto], diziam as servas nas primeiras temporadas, mas hoje já não usam a mesma frase bíblica. Nos novos tempos, o mote é “Blessed be the fight” [bem-dita seja a luta] e isso abre portas a um sem-número de possibilidades em “The Handmaid’s Tale”. Haverá mais vitórias para as servas, mas também um acentuar do controlo sobre quem se mantém sob domínio de Gilead — a título de exemplo, foram criados novos toucados ainda mais fechados, que apenas possibilitam que se olhe para o chão —, que mostra como este regime patriarcal fará tudo o que estiver ao seu alcance para manter (ou até reforçar o poder).

O SEGREDO DO SUCESSO

Margaret Atwood escreveu “The Handmaid’s Tale” em 1985, transpondo para as páginas do livro (editado em Portugal pela Bertrand Editora, com o título “A História de uma Serva”) uma construção social distópica. Mas a escritora canadiana, que diz não ter inventado nada — limitou-se a conjugar normas de diversos regimes autocráticos e ritos de confissões religiosas diversas —, admite que o sucesso da série foi maior pelo momento político atual. Chegou mesmo a dizer que não teria o mesmo destaque se Hillary Clinton tivesse vencido, há até quem compare alguns dos acontecimentos ficcionais a vários casos polémicos da Administração Trump, mas hoje Atwood está mais distante da produção.

Já não a considera sua e abandonou até o cargo de produtora e consultora da ficção — a história foi já muito além do que escreveu nas páginas do livro que lhe deu origem — e está até a trabalhar num novo volume sobre o mesmo mundo. “The Testaments”, que ignora acontecimentos televisivos das duas temporadas mais recentes, passa-se 15 anos depois de “A História de uma Serva” e será publicado em setembro deste ano. Trará novos pormenores sobre os bastidores de Gilead, mas não tem adaptação televisiva anunciada apesar do sucesso de “The Handmaid’s Tale” e de “Alias Grace” (Netflix).

Quanto à série, que já venceu sete Emmys, dois Globos de Ouro norte-americanos e contou com 110 outras nomeações para prémios de cinema e TV, ainda não foi renovada para uma quarta temporada e é já certo que não poderá entrar na corrida aos Emmys deste ano. Para ser elegível para a edição de 2019, os responsáveis por “The Handmaid’s Tale” teriam de estrear pelo menos um episódio até 31 de maio, pelo que apenas poderão competir em 2020. Na mesma situação estão outras produções de sucesso como “Stranger Things” (Netflix, com estreia a 4 de julho), “Big Little Lies” (HBO Portugal, segunda-feira), “Black Mirror” (Netflix, estreou na passada quarta-feira) ou “Orange is the New Black” (Netflix, dia 26), que assim darão menos luta aos últimos capítulos de “A Guerra dos Tronos” (HBO Portugal e Syfy) e “Veep” (HBO Portugal) — quase certas na lista de nomeados a divulgar a 16 de julho para a 71ª edição, a 22 de setembro.

Do elenco da terceira temporada fazem parte nomes sonantes da televisão e do cinema, que esta semana voltaram aos ecrãs. A Elisabeth Moss e Alexis Bledel juntam-se Joseph Fiennes, Yvonne Strahovski, Madeline Brewer, Ann Dowd, O-T Fagbenle, Max Minghella, Samira Wiley e Bradley Whitford. A terceira temporada foi realizada por Mike Barker, Dearbhla Walsh e Colin Watkinson e os três primeiros episódios já estão disponíveis. Transmitida nos Estados Unidos pelo serviço de streaming Hulu, “The Handmaid’s Tale” é um exclusivo do NOS Play em Portugal, que estreará novos capítulos ao ritmo de um episódio por semana. A terceira temporada é composta por 13 episódios, disponibilizados todas as quintas-feiras.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: jmsalvador@expresso.impresa.pt

Comentários
Já é Subscritor?
Comprou o Expresso?Insira o código presente na Revista E para se juntar ao debate