Cultura

Café com livros

Pequenas bibliotecas de família, livros em segunda mão de alfarrabistas que fecharam as portas, edições de autor em espaços acolhedores. Sugestões para o seu café literário

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Edições herdadas da biblioteca da família ou de um avô alfarrabista; um francês que vive em Lisboa e acredita nos encontros que os livros podem proporcionar... Andámos a espreitar interiores discretos e acolhedores e descobrimos que a tendência dos cafés literários tem cada vez mais seguidores.

Em Lisboa, ao Cais do Sodré, Cristina Ovídio, professora e editora no Clube do Autor, instalou-se neste espaço com um sonho antigo: abrir um café literário generoso para com os autores portugueses e lusófonos, onde também se pudessem preparar vários acontecimentos culturais em torno das comunidades de leitores. Toda a construção deste café/bar/livraria foi inspirada nessa ideia de acolhimento. No Menina e Moça, assim se chama, as mesas são baixas. Sentados ao nível das prateleiras corridas podemos pegar ao acaso num livro de poesia ou reencontrar autores que há muito tempo deixaram de ocupar as montras das livrarias. Num carrinho de chá repleto de romances, descobrimos os autores que nos falam de Angola, Cabo Verde, Brasil ou Moçambique. Numa ardósia com palavras escritas à mão, deparamo-nos com uma frase do romance de Bernardino Ribeiro: “Me levaram de casa de minha mãe para muito longe.” Para a editora, este início de “Menina e Moça” decorado nos tempos de liceu, ficou para sempre gravado como a evocação do sonho e da aventura que os livros nos transportam.

O Menina e Moça, um café literário dedicado aos autores da lusofonia, acabou de ser inaugurado no Cais do Sodré
mário joão
mário joão

Pelo teto em abóbada voam desenhos coloridos do ilustrador João Fazenda. Cristina conta que a leitura foi a base da construção das memórias afetivas mais profundas, reveladas através dos livros da biblioteca do pai, “o refúgio privilegiado.” Quando os pais morreram e a casa teve de ser desmanchada, os livros foram distribuídos e guardados num armazém. Desse acervo recolheu uma pequena coleção que hoje tem lugar de destaque na livraria.

O menu foi concebido a pensar na leitura e na evasão. Há tábuas de queijo e uma extensa lista de vinho; compotas caseiras e scones “como numa família inglesa”, brinca Cristina. E em honra da lusofonia preparam-se cocktails de frutos tropicais.

Outros livros antigos 
e um pequeno príncipe

Preservar o espólio de um avô alfarrabista foi também o ponto de honra de Cátia Silva, que deu o mote ao Há Café no Alfarrabista. Começou por ser um pequeníssimo espaço só com uma máquina de café e hoje, instalados perto da Sé de Lisboa, o encontro com os livros em segunda mão dá-se numa esquina com vista para uma rua calma. O café tem duas salas, uma delas parece um canto de uma biblioteca de casa. Entre as estantes e as pequenas mesas quadradas, os livros dividem o espaço com um menu de refeições rápidas e um cardápio de sandes com preparos mais criativos. O objetivo deste café/alfarrabista é o de estimular os leitores mais jovens, sentando-os numa mesa de café para descobrirem os livros. Há para todos os gostos: literatura de viagem, romances, história e filosofia, medicina, geografia... E para quem ande à procura de uma obra difícil de encontrar, aqui ajudam a descobrir títulos perdidos na rede dos alfarrabistas.

O nome é inspirador. Le Petit Prince, Café Cultura. Foi a obra de Saint-Exupéry, com o seu texto poético e os seus princípios universais e humanistas, que inspirou a ideia deste café, que há pouco mais de um mês abriu a porta, entre o Príncipe Real e Praça das Flores. O dono, Jean Pierre, um francês viajante, que já morou na Holanda e fala português com sotaque do Brasil, quis criar em Lisboa um lugar de encontro e de trocas pela via dos livros. Assim, descobrimos obras de autores franceses, com especial destaque para edições dos anos 20 e 40 e livros infantis de autores portugueses. Também tem um espaço de galeria com obras de Artista Freddy Flores Knistoff, fundador do célebre CAPA, o coletivo de pintura automática de Amesterdão.

A decoração, cuidada, foi feita com móveis reciclados. O espaço é acolhedor e sossegado, em cada mesa há janela ampla a espreitar a rua. A especialidade são as saladas ricas e variadas e os croissants franceses frescos pela manhã.

Letras e cimbalino

O último dos cafés com livros a dar à luz no Porto tem pouco o mais de cinco meses e mora bem perto da Casa da Música. Instalado numa casa de 1901, A Casa da Boavista — Chiado Café Literário alberga todo o portefólio de várias editoras (e não só), da literatura infanto-juvenil a obras descontinuadas para consulta e venda. Livros, muitos livros, novos ou usados, são o paraíso de Luís Pires e Sofia Pinto, os mentores deste espaço de 12 salas que não dispensa exposições de escultura e pintura, quizz às terças-feiras, recitais e música ao vivo ao sábado, tertúlias e debates temáticos. Para saborear com hambúrgueres e francesinhas e outras iguarias artesanais. Todos os dias há brunch e café a todos as horas.

A Casa da Boavista — Chiado Café Literário, aberta em setembro, é a irmã mais nova do lisboeta Chiado Clube Literário & Bar, residente no Fórum Tivoli, e alberga o portefólio da editora homónima
rui duarte silva

Nascida da insatisfação de Arnaldo Vila Pouca e Cátia Monteiro face ao mercado livreiro, a pequena livraria Flâneur ganhou casa própria num rés do chão de um antigo palacete portuense, depois de deambular de bicicleta em entregas de livros ao domicílio. O nome decalcado do francês flâner e inspirado na poesia de Baudelaire foge a qualquer formato conservador, num espaço onde se cultiva o gosto pela palavra escrita à mistura com performances poéticas, tertúlias filosóficas e muitas histórias entre amigos. Sempre acompanhadas de serviço de cafetaria, chá, bolos e brunch ao sábado, além de refeições temáticas. No último domingo do mês, há Clube de Leitura, quizz literário ao segundo domingo do mês.

A portuense Flâneur, mais do que uma pequena livraria, é um espaço de convívio que cruza o gosto pelas palavras, os petiscos e as tertúlias temáticas
Lucília monteiro

Junto ao romântico Jardim do Carregal, um dos últimos da Invicta, germina há dois anos a causa dos livros e viagens no Espiga, um bar-galeria, onde todas as quintas-feiras, às 16h30, um viajante convidado conta a sua cruzada a paragens mais ou menos longínquas. O evento Viagens ao Mundo é só uma das iniciativas ligadas às palavras e outras artes de um espaço apostado em derrotar a expressão “não é boa espiga”, onde se servem lanches e jantares informais, sumos, queijos, folares, petiscos avulso e café, sempre. Nos dias primaveris, há ainda à sua espera um jardim na casa de Inês Viseu e Hugo Moura, que sem sair do sítio já viajou de Macau à Índia, da Austrália ao Equador, da costa a costa dos EUA pré-Trump.

Lisboa

Menina e Moça
Rua Nova do Carvalho, 40-42 
Terça a domingo, 12h/2h

Há Café no Alfarrabista
Rua da Madalena, 80 D 
Terça a sábado, 8h/24h; domingo, 10h/20h

Le Petit Prince — Café Cultura
Rua Cecílio de Sousa, 1 A 
Segunda a quarta, 10h/20h; 
quinta a domingo, 10h/23h

Porto

Chiado Café Literário
Avenida da Boavista, 919, Porto 
Terça a sexta, 12h/24h; 
sábado, 11h/24h; domingo, 11h/22h

Flâneur
Rua Ribeiro de Sousa, 225-229, Porto 
Tel. 912 110 954. Terça a domingo

Espiga
Rua de Clemente, 65, Porto Quarta a domingo, 10h/19h30

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: ASoromenho@expresso.impresa.pt

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