Não se pode fazer cinema eternamente com a família e sem pagar às pessoas
Perfil ao modo curta-metragem: Leonor Teles tem 24 anos, é freelancer na área do cinema e da televisão, usa smartphone, redes sociais e streaming para ver filmes, mas realiza as suas obras em película e quer que sejam vistas em sala. Leonor é uma rapariga do seu tempo e é também a mais jovem premiada de sempre no Festival de Cinema de Berlim (venceu o Urso de Ouro há um ano), pormenor que agitou a sua vida profissional mas não a intenção que nela põe todos os dias. Porque vem aí um fim de semana em que só se vai falar de filmes estrangeiros, porque há óscares no domingo, olhamos para Hollywood (ou nem por isso) e para as complicações e satisfações de fazer filmes
Este ano Leonor não conseguiu ver os filmes candidatos aos óscares. Desde que a 20 de fevereiro de 2016 venceu o Urso de Ouro para melhor curta-metragem no Festival de Cinema de Berlim que a sua vida tem sido um corrupio de trabalhos e idas a festivais apresentar o “Balada de um Batráquio”. Nada de que se possa queixar - o objetivo enquanto realizadora era mesmo esse.
“A partir do momento em que o ‘Balada’ ganhou o Urso pôde ser visto por muitas pessoas, em muitos sítios, à volta do mundo e isso para mim é o mais importante: que o filme pudesse ser visto pelo maior número de pessoas.”
Festivais como o de Berlim, Cannes, Veneza e Locarno são hoje trampolins estratégicos para a promoção de filmes e de novos autores no cinema. A realidade é muito diferente do cinema americano, que aposta muito na promoção e na distribuição porque tem um mercado enorme. “Quando os filmes conseguem estrear nos grandes festivais da Europa, depois torna-se mais fácil distribuí-los por festivais mais pequenos”, explica Leonor. “O mediatismo à volta desses festivais é importante para a vida dos filmes” e no caso do “Balada” o Urso de Ouro foi fundamental para ir a muitos outros festivais internacionais e ter chegado ao circuito de salas comerciais em Portugal.
“Balada de um Batráquio”, filme de 11 minutos, estreou no fim de abril de 2016 nas salas nacionais com "Todos querem o mesmo", do realizador americano Richard Linklater, e está prevista uma edição em dvd com outras curtas-metragens ainda este ano.
Nuno Botelho
Ser jovem não é fácil
Para quem está a entrar no mundo do cinema é tudo muito mais difícil. “Não há grandes apoios em Portugal para os jovens. E quando digo jovem não é pela idade, é estar a começar no cinema. Não é fácil sair da escola e conseguir financiamento para realizar. É mais difícil ser principiante nesta área do que ser mulher.”
Segundo Leonor Teles, os alunos não saem da escola de cinema bem preparados para enfrentar as dificuldades de financiamento e gastam muito tempo a pesquisar bolsas, fundos, apoios e hipóteses de festivais. “Tem de ser, não temos outra hipótese. Mas tendo o apoio de uma produtora, como é o meu caso, com Uma Pedra no Sapato, é sempre mais fácil. Ajudam-nos a ter uma estratégia para entrar no circuito.”
Leonor fez uma primeira curta-metragem na Escola Superior de Teatro e Cinema, dentro do contexto escolar, com o apoio de uma pequena equipa de estudantes e material emprestado por um colega. Deu-lhe o nome “Rhoma Acans” e depois enviou-o para o Festival Curtas de Vila do Conde. Aconteceu ganhar com este filme a secção Take One! dedicada a premiar estudantes de cinema e audiovisual. “O Take One! é bom para se ganhar um bocadinho de visibilidade e entrar no meio do cinema. Agora o prémio é de baixo valor e só dá para começar por carolice. Usa-se esse dinheiro para fazer um filme e não para viver.”
Assim foi. Com esse prémio e um apoio da Gulbenkian a que posteriormente se candidatou, conseguiu arrancar com o projeto seguinte - “Balada de um Batráquio”. Trabalhou de novo com uma equipa pequena, mas pagou a toda a gente.
Nuno Botelho
“Fiz questão de pagar a toda a gente, só eu é que não recebi. Depois, já com a rodagem feita e uma primeira versão, concorremos ao apoio de finalização do ICA e ganhámos, o que nos permitiu terminar o filme com condições. Nessa altura, paguei a mim própria.”
Por coincidência, em 2017 o Urso de Ouro para curtas-metragens do Festival de Berlim voltou a ir parar a mãos portuguesas. Diogo Costa Amarante, de 35 anos, venceu o galardão com “Cidade Pequena”, uma curta-metragem feita sem apoios, com a irmã e o sobrinho do realizador como protagonistas.
“Ainda bem que o Diogo venceu o Urso, fiquei mesmo feliz. Admiro-o por ter feito o filme sem condições para fazê-lo. Fez o filme porque queria mesmo e arranjou todos os meios possíveis para tal. Agora isso não é exemplo para fazer cinema. Não se pode fazer cinema eternamente com a família e sem pagar às pessoas. Não podemos pensar que se alguém faz um filme uma vez sem apoios, então toda a gente pode fazer cinema sem apoios”, defende Leonor.
Para a jovem realizadora, o problema do financiamento do cinema em Portugal é complexo, porque “o país é pequeno e o cinema não é rentável em sala”. “Os apoios que existem nunca irão dar para todas as pessoas, mas o sistema de atribuição de financiamento pelo ICA está mal feito, porque devia valorizar menos o nome de quem se candidata e mais as ideias e os projetos por si”. Outra hipótese, adianta Leonor, passaria por “existirem mais bolsas como a da Gulbenkian para apoiar a criação de primeiros filmes. Seria o pontapé de saída para um projeto, para começar alguma coisa”.
Nuno Botelho
Leonor encolhe os ombros porque não entende a falta de interesse do circuito comercial em relação às curtas-metragens e também não entende porque é que o documentário tem menos apoios financeiros do que as obras de ficção. “Preconceito em relação ao género? Talvez”, diz.
A realizadora acabou de voltar de Macau onde esteve a fazer direção de fotografia de um videoclip da cantora Isaura e está por estes dias dedicada à polémica em torno da alteração do decreto-lei que permita devolver a responsabilidade da escolha dos júris ao ICA (ver AQUI). Tem feito uma série de trabalhos na área publicidade e da televisão, como assistente de realização e diretora de fotografia, e é assim que quer continuar. “Para se fazer cinema não tem de se trabalhar só em cinema. No meu caso até seria limitativo. Preciso de fazer outras coisas para depois encontrar motivação para realizar os meus filmes.”
A jovem de Vila Franca de Xira tem agora um projeto e dois anos para cumpri-lo, com financiamento do ICA. Chama-se Terra Franca mas é tudo o que diz sobre o assunto. Não gosta de falar sobre o projeto, mas é um documentário, com uma equipa pequena, porque quer trabalhar com uma equipa pequena. Será em formato digital, porque a película “ia sair demasiado cara”. Quanto ao Urso de Ouro, enfim, chegou a guardá-lo numa gaveta, mas agora está em cima da cómoda no quarto de dormir.