Coronavírus

Covid-19. Johnson & Johnson interrompeu ensaios da vacina. Especialistas lembram que a ciência não deve seguir um calendário político

Covid-19. Johnson & Johnson interrompeu ensaios da vacina. Especialistas lembram que a ciência não deve seguir um calendário político
Dado Ruvic/Reuters

Na sequência de uma doença desenvolvida por um dos participantes na fase 3 dos ensaios clínicos, a farmacêutica pôs um travão numa das mais promissoras vacinas contra o novo coronavírus. É a terceira vez que tal acontece num par de meses, após duas interrupções nos ensaios da vacina de Oxford. Um imunologista e um pneumologista ouvidos pelo Expresso sublinham que a suspensão dos testes é “normal” e que “só dá mais garantias de segurança”

Covid-19. Johnson & Johnson interrompeu ensaios da vacina. Especialistas lembram que a ciência não deve seguir um calendário político

Hélder Gomes

Jornalista

Foi mais um revés na corrida pela descoberta de uma vacina contra o coronavírus SARS-CoV-2. O grupo farmacêutico Johnson & Johnson interrompeu esta segunda-feira a fase 3 dos seus ensaios clínicos depois de um dos participantes ter ficado doente. Trata-se de uma circunstância normal em ensaios deste tipo e só faz soar mais alarmes porque a comunidade científica internacional segue em contrarrelógio na senda por uma vacina segura e eficaz que possa travar o avanço da covid-19, a doença provocada pelo novo coronavírus.

“Eventos adversos, mesmo aqueles que são sérios, constituem uma parte esperada de qualquer estudo clínico, especialmente estudos grandes”, esclareceu a Johnson & Johnson. Citando o “forte compromisso com a segurança”, a farmacêutica referiu que terá de haver “uma revisão cuidadosa de toda a informação médica” antes de se decidir se o estudo poderá ser retomado. “Temos de respeitar a privacidade deste paciente”, sublinhou, destacando a importância de reunir “todos os factos” antes de partilhar “informação adicional”.

A “doença inexplicada”, que obrigou a colocar os freios numa das 11 vacinas atualmente em fase 3 em todo o mundo, ocorre um mês depois da suspensão dos testes da fase final da vacina que está a ser desenvolvida pela AstraZeneca em parceria com a Universidade de Oxford. Em comunicado, a farmacêutica confirmou “uma pausa na vacinação para permitir a revisão dos dados de segurança”, após uma suspeita de reação adversa séria num participante do estudo. Esta é a vacina que Portugal reservou: no caso de se revelar eficaz, deverão chegar ao país 6,9 milhões de doses, 690 mil delas já em dezembro. “Hoje todos acordámos com uma má notícia”, reagiu então o primeiro-ministro, António Costa.

Na altura, o pneumologista Filipe Froes considerou que “o que aconteceu é uma situação normal e até esperada e desejada” porque demonstra que “os mecanismos de segurança estão corretamente implementados”. “Presumo que o senhor primeiro-ministro, como não está habituado a ensaios de fase 3, se calhar não teve a capacidade de perceber que esta é uma situação da maior normalidade”, afirmou ao Expresso em setembro. O que terá de acontecer agora é esclarecer o que se passa, sublinhou o pneumologista, que é também membro do Conselho Nacional de Saúde Pública e consultor da Direção-Geral da Saúde.

À semelhança do que faz agora a Johnson & Johnson, a AstraZeneca assegurou que a suspensão é “uma ação de rotina, que deve acontecer sempre que haja uma doença potencialmente inexplicada num dos ensaios”, reiterando o compromisso com “a segurança dos participantes” e “os mais elevados padrões de conduta”. Os testes foram suspensos enquanto a farmacêutica investigava se o efeito colateral sério detetado num participante (uma mulher britânica, que desenvolveu um problema neurológico) estava relacionado com o produto em desenvolvimento. Esta foi, de resto, a segunda vez que os ensaios da vacina de Oxford tiveram de ser suspensos, confirmou o presidente executivo da AstraZeneca numa videochamada com investidores.

“A segurança em primeira linha”

“A suspensão só nos dá mais garantias de segurança porque quer dizer que as entidades envolvidas estão realmente a trabalhar de uma forma séria e a colocar a segurança em primeira linha, tanto para os participantes como para o público em geral, que eventualmente virá a utilizar a vacina”, reforçou o imunologista Henrique Veiga Fernandes, codiretor do Champalimaud Research, da Fundação Champalimaud. Mais: “qualquer medicamento que tomamos, até os de venda livre em farmácias como um paracetamol ou uma aspirina, tem efeitos adversos, como qualquer consumidor atento pode ler na bula informativa”, concretizou, em declarações ao Expresso.

E que efeitos poderão estas reações adversas, que podem ou não ter uma relação de causalidade com os testes, provocar na mobilização de voluntários para estes e outros ensaios? “Tudo irá depender das conclusões dos estudos em curso. É fundamental clarificar, de forma transparente e responsável, todos os mecanismos envolvidos nestes efeitos que apareceram e que podem resultar ou não da vacina”, sinalizou Filipe Froes. Neste ponto, Veiga Fernandes mostrava-se mais otimista: “Muito francamente não penso que isto vá ser muito desmotivador para os participantes em geral, até porque são casos raríssimos.”

“É preciso ter em mente que já estamos na fase 3. Já passámos as duas primeiras fases, primeiro com dezenas e depois com centenas de indivíduos. É natural que num universo de 30 mil pessoas algumas venham a ficar doentes por algo que não tem nada a ver com a vacina”, prosseguia o investigador da Fundação Champalimaud relativamente à vacina de Oxford. A suspensão dos ensaios e a averiguação de eventuais efeitos adversos, com maior ou menor gravidade, são procedimentos de “qualquer ensaio clínico feito com seriedade e seguindo os critérios mais estritos de segurança”, enfatizou. “Nesse aspeto, devo dizer que são excelentes notícias.”

De acordo com o jornal “The New York Times”, há atualmente 29 vacinas em fase 1 (que testam a segurança e a dosagem), 14 em fase 2 (ensaios de segurança alargados) e as tais 11 em fase 3 (testes de eficácia de larga escala). Além disso, há um total de cinco vacinas aprovadas para uso limitado e nenhuma para uso generalizado.

“O tempo político não é o tempo científico”

O imunologista distinguiu então entre dois universos: o científico e o político: “Obviamente que do ponto de vista político – e para a comunidade em geral – isto é um revés. Não queremos esta vacina para o final deste ano ou para o início de 2021. Queríamos esta vacina já em abril ou maio e não a tivemos. Há aqui uma grande ansiedade coletiva para ter uma resposta terapêutica ou preventiva para a doença e portanto é natural que haja, do ponto de vista político, algum desalento.”

Sobre a suspensão dos ensaios da Johnson & Johnson, é a terceira vez que tal acontece entre ensaios de ponta, após as duas interrupções da vacina de Oxford. Os ensaios da AstraZeneca já foram entretanto retomados nalguns países europeus mas mantêm-se suspensos nos EUA. A sua prossecução em solo americano está dependente das conclusões de uma investigação da Food and Drug Administration (FDA), a agência federal responsável pela proteção e promoção da saúde pública.

Durante a fase 3, os investigadores administram doses da vacina em teste a milhares de voluntários para verificar se os protege do vírus e se produz quaisquer efeitos secundários indesejados. Apesar da pressão política exercida por Trump, a FDA já advertiu as farmacêuticas que, para ser aprovada, a vacina terá de proteger pelo menos metade das pessoas inoculadas.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: hgomes@expresso.impresa.pt

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