Infarmed decide suspender hidroxicloroquina no tratamento de doentes com covid-19
GEORGE FREY
Medida é preventiva e surge na sequência de novas evidências científicas, como um estudo da revista “The Lancet”, que levou a Organização Mundial de Saúde a tomar decisão semelhante. Medicamento continuará disponível em Portugal, mas não para doentes de covid-19
Portugal vai juntar-se a França e Itália na suspensão do uso de hidroxicloroquina para o tratamento de doentes com covid-19. O Expresso sabe que a decisão do Infarmed foi tomada como prevenção e na sequência das novas evidências científicas que têm chegado. Na conferência de imprensa desta quinta-feira, a diretora-geral da Saúde, Graça Freitas, tinha dito que estava a ser avaliado “em que estatuto vai ficar o nosso país. Estamos literalmente a fazer a esta hora essa avaliação”, que deverá ser comunicada oficialmente ainda esta tarde.
A proibição do uso de hidroxicloroquina como tratamento para a covid-19 deu-se tambem em França, esta quarta-feira, e seguiu-se às dúvidas que a própria Organização Mundial de Saúde (OMS) levantou depois de conhecido num estudo, publicado pela revista científica “The Lancet”, que concluiu que o medicamento comporta riscos para doentes infetados com o SARS-CoV-2. A pesquisa observou 96 mil doentes hospitalizados com o vírus, em vários países de todos os continentes, e dessa observação retirou que o risco de morte e de arritmias foi mais alto em quem tinha tomado hidroxicloroquina do que em quem não o tinha feito.
Como resposta, a OMS, suspendeu “temporariamente” os testes clínicos com cloroquina e hidroxicloroquina, nomeadamente no grande ensaio Discovery, uma parceria entre várias agências europeias que testa a eficácia de diferentes tratamentos para a doença. “Os dados dos estudos observacionais [como o da 'Lancet]' podem ser enviesados. Queremos usar [a hidroxicloroquina] se for segura e eficaz, se reduzir a mortalidade e os internamentos e se os benefícios forem mais do que os danos”, justificou o diretor-geral da organização, Tedros Ghebreyesus.
Como tem sido regra em vários momentos da pandemia, não há consenso. Se nos hospitais franceses, onde a hidroxicloroquina era usada desde fins de março para tratar doentes graves, o uso foi proibido (exceto para testes clínicos, em que se mantém), Espanha considerou que o estudo da ‘Lancet’ não trouxe conclusões “suficientemente sólidas”. A Agência Espanhola do Medicamento e Produtos Sanitários afirma que, tratando-se de uma observação, e “não de um ensaio clínico”, não é possível obter “evidências contínuas e indiscutíveis, porque há muitos fatores envolvidos”. “Também não recebemos qualquer alerta de segurança; portanto, de acordo com as autoridades científicas, não consideramos que haja motivos para interromper a pesquisa em andamento ou parar de usar [a hidroxicloroquina] como tratamento experimental”, acrescentou o porta-voz da agência espanhola, citado pelo diário “El País”.
Em Portugal, a Direção-Geral da Saúde incluiu o medicamento nas orientações para o tratamento de doentes com covid-19 ainda em março, nomeadamente nos que tivessem comorbilidades (doenças associadas, como a pulmonar crónica, cardiovascular, hepática, renal ou diabetes), que apresentassem insuficiências respiratórias, evidência radiológica de pneumonia e estivessem em unidades de cuidados intensivos. A decisão cabia sempre, claro, ao médico responsável pelo acompanhamento do doente.
Não é de mais repetir o que disse, na altura da publicação da norma, o Infarmed. “Não existem atualmente medicamentos autorizados para o tratamento de covid-19. Existem, contudo, várias moléculas apontadas como possíveis candidatos terapêuticos, embora nenhuma das potenciais aproximações terapêuticas referidas neste documento apresente evidência clínica robusta.” A decisão é, por isso, agora revertida.
A hidroxicloroquina, bem como outros antivirais do mesmo tipo, é autorizada há muito em Portugal e o seu uso comum no tratamento de outras doenças, pelo que não há números concretos sobre a administração que foi feita em doentes covid-19. Em Espanha, por exemplo, cerca de 85% dos doentes hospitalizados toma hidroxicloroquina, o que faz deste um dos medicamentos mais utilizados no combate à doença, ainda que com caráter experimental.
O produto tem estado sob elevado escrutínio praticamente desde o início da pandemia, mas sobretudo a partir do momento em que líderes políticos como Donald Trump e Jair Bolsonaro, presidentes dos Estados Unidos e Brasil, o promoveram como solução imediata para a covid-19. “Penso que seja bom, ouvi histórias muito boas”, disse o primeiro, que tomou o antimalárico durante duas semanas e que agora deixou de o fazer. “Acabei de parar”, disse em entrevista emitida no passado domingo. “E já agora, continuo aqui”, ironizou.
Bolsonaro recorreu a outra imagem, afirmando que na Guerra do Pacífico, um dos palcos da Segunda Guerra Mundial, faltava sangue para doar a soldados feridos, que tinham de procurar outras soluções. “Então, o cara pegou água de coco e meteu na veia dele. E deu certo. Se fosse esperar um protocolo, uma comprovação científica, iam morrer milhares.” Por enquanto, o presidente brasileiro continua a defender o medicamento. “Até porque não tem outro remédio. Ou você toma cloroquina ou não tem nada.”