Apesar de as mortes se situarem ainda nas várias centenas por dia em países próximos de Portugal, como Itália, Espanha e França - para não falar do Reino Unido, que ainda está longe do ponto em que essa negra linha vai começar a dimimuir -, o número de casos está a baixar nos países que se apressaram a impor medidas restritivas aos movimentos da população.
Não são medidas populares mas os resultados estão a chegar - e são animadores. O “New York Times” desenhou esta semana vários gráficos que mostram a evolução do número de casos (a fórmula é segundo uma média semanal e não segundo os casos diários, anulando assim anomalias como um dia em que se tenham registado mais casos no meio de uma semana sempre descendente) e neles é possível observar, em vários países europeus, uma linha que já não está a subir. Itália e França são exemplos mas também na Alemanha, Suíça ou Áustria a curva “geral” está em planalto e não em crescimento.
Número de casos? Há mais variáveis importantes
Durante um surto desta magnitude não é apenas o número de casos que é importante. O estado dos sistemas de saúde de cada país é um dado essencial, tal como é importante saber quantas pessoas cada um nós pode potencialmente contagiar, a velocidade na subida do número de casos, quantos testes cada país faz (e quanto mais testes mais casos porque as pessoas que têm poucos ou nenhuns sintomas podem acabar por se revelar infetadas), o número de casos graves que se encontram internados nas unidades de cuidados intensivos e a imunidade da população. Para António Rodrigues, especialista em saúde pública de Coimbra, é esta a chave para a segurança da população. “Para haver imunidade de grupo, um mínimo de 60% da população tem de já ter sido infetada e não temos dados sobre isso - nem aqui nem em números expressivos na Europa.” E sobre a própria imunidade também pouco se sabe, de um ponto de vista médico. “Não sabemos se as pessoas ficam mesmo imunes, por quanto tempo, se podem voltar a apanhar a doença, se os sintomas seriam iguais numa eventual segunda contaminação. Não sabemos e por isso é muito complicado avaliar por estas curvas apenas a abertura das coisas.”
Michael Ryan, chefe de programas de emergência da Organização Mundial da Saúde, disse há uma semana que os países precisam de rastrear e isolar as pessoas que podem estar infetadas com o vírus depois de levantadas as restrições. "Muitos países no mundo têm escalado uma montanha de doença muito trágica e perigosa e temos de ter muito cuidado com a descida", disse Ryan durante uma conferência de imprensa na passada sexta-feira. “Não queremos acabar um ciclo de bloqueio com um período de abertura que depois volte a impor um ciclo de bloqueio.”
Itália. Finalmente uma espécie de reta
Em Itália, por exemplo, o número de casos não está a subir - teve, sim, picos. Por exemplo nos dias 21 de março (6557) e 26 de março (6203), sendo que todos os dias entre esses dois e para a frente do dia 26 os casos têm sido sempre inferiores a estes dois números. As mortes continuam altas - isto porque todos os dias morrem pessoas que tiveram de ser internadas em estado grave. Neste momento, Itália tem, segundo a base de dados mundial ncov19.live, um site que compila números da OMS e dados dos departamentos de saúde de cada país, 3792 casos graves, o que quer dizer que a mortalidade ainda pode atingir pelo menos estas pessoas - isto se mais nenhuma fosse contaminada até ao fim da pandemia, o que é altamente improvável. Na terça-feira, o país registou o aumento menor de número de casos desde 13 de março - “apenas” 3039. Há mais de 24.000 recuperados.
Os italianos estão sob quarentena intensa há cerca de quatro semanas e, apesar de os médicos e cientistas falarem com cuidado sobre uma data para o pico, até agora, olhando para os gráficos, o pico foi a 20 de março, com 6557 novos casos naquele dia.
Espanha e França - milhares nos cuidados intensivos
Se olharmos para Espanha entendemos que o país ainda está um pouco longe de poder descansar - e isso vê-se principalmente no número de casos em cuidados intensivos. O pico de casos até agora aconteceu a 24 de março, com mais de 9000 registados apenas num dia. Apesar de o número de casos estar a decrescer consecutivamente desde 2 de abril (de 7947 nesse dia para 7134 no dia 3, passando para os 6969 a 4, 5478 no dia 5 e finalmente 5029 a 6), Espanha tem nos cuidados intensivos 7069 pessoas, mas já se curaram mais de 42.000 espanhóis. Também França tem um número bastante alto de pessoas a necessitar de cuidados permanentes: 7131.
Quanto ao número de casos, depois de um pico muito atípico de mais de 23 mil novos casos registados nas 24 horas do dia 3 de abril (quando no dia antes os casos estavam nos 2116, um pulo de mais de 20 mil casos), o número de casos confirmados caiu para 7788 no dia 4, depois para 2886 dia 5 e dia 6 registou-se uma pequena subida para 5171. Mas se olharmos para o gráfico de França, apesar de o número de mortes ser muito elevado (10.343), o número de casos registados por dia ao longo de todo o mês de março é sempre inferior a 5000. No quinto país com mais casos no mundo, cerca de 19.500 pessoas já recuperaram.
Áustria e Dinamarca preparam-se para abrir lojas. Fazem bem?
Passemos agora para os países que estão a ponderar aliviar algumas das medidas de restrição impostas aos seus cidadãos e que já tornaram essa intenção pública: Áustria, que planeia voltar “ao ativo” já para a semana, obrigando os seus cidadãos a usar máscara, e a Dinamarca, que também considera que o tempo do confinamento total tem de acabar para evitar um descalabro económico. "Reagimos de maneira mais rápida e restritiva do que noutros países e, portanto, pudemos evitar o pior. Mas essa reação rápida e restritiva agora também nos dá a possibilidade de sair dessa crise mais rapidamente", disse o chanceler Sebastian Kurz. O “sucesso” da Áustria, no qual o seu chanceler se apoia, é a trajetória descendente bem acentuada, com apenas uma exceção - e mesmo ela mínima. Desde o dia 31 de março que o número de casos tem vindo sempre a descer, com apenas um pequena subida de 257 para 270 entre 4 e 5 de abril. São poucos casos, o país é pequeno, as mortes são apenas 243. Neste momento estão nos cuidados intensivos exatamente o mesmo número e cerca de 4000 pessoas já recuperaram. Quanto à Dinamarca, a curva ainda não está a descer, está aliás a subir muito devagarinho - o que pode ser perigoso se a sociedade se abrir de forma repentina ao contacto entre pessoas. Morreram 203 pessoas e 153 pessoas são casos graves. Os recuperados são 1490.
António Rodrigues entende bem a urgência de regressar à normalidade até porque “não podemos descurar o efeito psicológico que estas medidas podem ter, nem as consequências económicas” mas regressar à normalidade antes do fim de maio “parece demasiado otimista e ainda muito perigoso”. O médico reformado há menos de uma semana, volta a reforçar que ainda não sabemos “onde é que o vírus anda espalhado” e podemos “abrir caixas de pandora” ou seja “novos focos comunitários”. É preciso ter cuidado, mesmo quando começarmos a relaxar medidas, com os ajuntamentos: “Se surgir um foco temos de ser capaz de o conter, o que pode ser dificultado se já nos podermos movimentar por áreas maiores”. Injetar esperança na população é importante, diz o médico, mas ao mesmo tempo "se não mantivermos uma tónica oficial na gravidade da situação corremos o risco de entrar na narrativa do 'está tudo bem' e levar a uma espécie de baixar da guarda colectivo".
A Alemanha é o 4º país do mundo com mais casos do mundo mas desde 2 de abril que os casos têm vindo a decrescer consecutivamente. Eram 6813 nesse dia, passaram para 6365 dia 3, depois desceram bastante para os 4933, depois para os 4031 e finalmente dia 6 mais uma queda para os 3.252 casos. Com mais de 100 mil infetados e 1942 mortes, a Alemanha está a começar a sua linha reta. Estão 2.646 pessoas nos cuidados intensivos, que são dos melhores do mundo. Já recuperaram da covid-19 cerca de 36.000 pessoas. O país prepara-se para aliviar algumas das restrições impostas a 22 de março já no dia 19 de abril mas, segundo escreve a Reuters, usar máscara na rua e a proibição de ajuntamentos são duas das medidas que vão continuar e ser obrigatórias.
Um sucesso, uma incerteza e um ex-parceiro ferido
Na Europa, o caso que mais preocupa neste momento é mesmo o do Reino Unido. A curva continua claramente ascendente, até porque o país só decretou completo isolamento há cerca de 10 dias. Desde 1 de abril que os novos casos por dia têm ficado sempre acima dos 4000, exceção feita ao dia 4 (3735). Já morreram 6.159 pessoas e curaram-se 135 em contexto hospitalar, o único para o qual há contagem.
A China apresenta o gráfico mais elástico: de um pico de 15.000 casos no dia 12 de fevereiro, uma barra que entra pelo título do “New York Times” adentro, o país que se prepara para reabrir a maioria das lojas, estradas, escolas e transportes em Wuhan já a 8 de abril tem registado sempre menos de 100 casos por dia, muitos deles importados de outros países onde o coronavírus ainda apresenta uma taxa de contágio elevada (o número de pessoas que podemos infetar, em média, num determinado ponto da pandemia, se estivermos doentes).
O Irão também chegou a preocupar bastante o mundo - e continua a preocupar, nem que seja pelo facto de não sabermos exatamente quantos casos há no país. Os números oficiais, coincidentes na maioria das bases de dados disponíveis, fixa-se nos 32.525 casos ativos, já se registaram 3862 mortes e 27.039 iranianos já recuperaram. A curva só começou a formar uma linha reta há uma semana. Desde 31 de março que os novos casos registados têm vindo a cair, todos os dias. No entanto, e num país onde há um médico para cada mil pessoas, é preocupante que existam ainda nos cuidados intensivos 3.987 pessoas.