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Identidade madeirense emerge à mesa do mais icónico hotel do Funchal

William Restaurant
William Restaurant

Brigalhó, chícharos, folhas de tabaibo ou peros da ilha comprovam a crescente aposta nos produtos da região por parte do chef José Diogo Costa, na cozinha do William Restaurant. No clássico Reid’s Palace, A Belmond Hotel, no Funchal estão abertas, definitivamente, as portas da criatividade

Há um processo revolucionário em curso no icónico Reid’s Palace, A Belmond Hotel. Localizado no Funchal, a história deste hotel quase se confunde com a evolução do turismo na Madeira. Foi símbolo da abertura aos viajantes estrangeiros, com William Churchill, como protagonista de uma primeira vida desta unidade hoteleira em que a chegada de barco era como o check in antecipado. Em outubro, o Reid's Palace assinala 134 anos de serviço, mas a idade aqui, mais do que um posto, é um desafio constante.

A mais recente aposta do famoso hotel é exemplo da renovação e uma aposta forte no presente, com os olhos no futuro. Com uma estrela Michelin no William Restaurant desde 2017 e recentemente renovada, há agora uma nova abordagem no trabalho gastronómico deste projeto. Desde 2023 que a cozinha é liderada por José Diogo Costa, chef executivo e criativo do Reid's Palace, nascido na Madeira. Com 28 anos, conquistou há poucas semanas a distinção de “Jovem Chef do Ano” na Gala Michelin, que decorreu no Porto.

No passado dia 18 de março, José Diogo Costa deu a conhecer as novas propostas do William Restaurant: "um menu ainda mais madeirense e mais autêntico”, garante.

William Restaurant - Chef José Diogo Costa

Sabor, técnica, leveza. Eis as palavras que definem o resultado do trabalho do chef José Diogo Costa, que, através dos menus de degustação “Wlliam” (€190), que passa a seis momentos, e “Discovery” (€160), constituído por cinco momentos, mostra uma Madeira mais próxima do autêntico, no prato. “É o culminar de técnicas e vivências que tive fora, as quais consegui colocar nos produtos madeirenses, de maneira a enriquecer cada um, sem desvirtuar da cultura nem da tradição”, afirma o chef do Reid’s Palace, A Belmond Hotel.

No primeiro menu, marcam presença a truta do Seixal e o “peixe da nossa costa”. Da terra, destacam-se a fisális, o maracujá, o funcho e as raízes. Identidades madeirenses complementadas pelos espargos e pelas amoras, o “lavagante com algas” e o chocolate de São Tomé combinado com o limão é o “pé de cabra”, bebida quase tão famosa quanto a poncha. No segundo desfile de pratos, passam a “pesca do dia” e o “peixe do Atlântico”, os frutos tropicais, a pimpinela, a anona, o cuscus, o funcho, o mel e as ervas medicinais, entre outros.

William Restaurant
Nuno Andrade

Há fermentados, curados e preservados, visando reduzir “o desperdício de um hotel como este”, declara José Diogo Costa. “Fazemos fermentações de pão, de cascas, de batata-doce”, que dão corpo à harmonização feita com bebidas não alcoólicas e desenhada para os dois menus de degustação. “Tem feito um sucesso enorme, é pró-biótico e tem tudo para dar certo. Queremos ser mais inclusivos”.

Reid’s Palace, A Belmond Hotel

A redescoberta da ilha

Natural da Sé, freguesia do Funchal, e com forte ligação ao Seixal, no concelho de Porto Moniz, José Diogo Costa está integrado, desde abril de 2023, no Reid’s Palace, A Belmond Hotel. “Tenho uma equipa muito jovem, à qual não falta vontade de aprender, e com um compromisso enorme, que nunca vira ao longo de toda a minha experiência a nível internacional. Isso dá-me um imenso orgulho”, enaltece.

Noruega, Macau, Tailândia, Indonésia, Alemanha, Finlândia são alguns dos cerca de 40 países a constar no currículo. Ao longo deste período, a caça e a recoleção de plantas fizeram parte do desempenho profissional do chef madeirense. “Não há melhor maneira para ter o storytelling para o cliente, do início ao fim. Sei o que apanho, confeciono e sirvo. Estou seguro no que faço e não há margem de erro”, sublinha o chef José Diogo Costa. Agora, o Funchal é o ponto de partida para mostrar ao mundo o culminar de uma década dedicada a várias cozinhas do planeta.

A Madeira é, desde o regresso do chef, objeto de procura constante entre cultura, tradição e produto, para levar até à mesa do William Restaurant. “Comecei a ver as coisas de forma diferente e adaptar-me à cultura, que não quero perder”, afirma o chef. É o caso da folha do tabaibo, fruto muito comum na Macaronésia (grupo de ilhas ao qual pertence a Madeira), ou do brigalhó, tubérculo que cresce de forma espontânea no Curral das Freiras, e os chícharos, leguminosa proveniente da Quinta Grande, ambas freguesias do concelho de Câmara de Lobos.

“Tive o gosto de ir ao Jardim da Serra ver os trigos, os cogumelos, as batatas, e perceber qual é o problema. É falta de produção? É preciso saber ouvir e arranjar um meio-termo”, comenta José Diogo Costa, para quem os chefs de cozinha têm um papel preponderante no contributo social. “É importante que marquemos a diferença no mercado, na economia, não só na parte dos ingredientes, mas também na parte do artesanato”, acrescenta, recordando a primeira composição snakcs servida nas cestas em vime da autoria do artesão Pedro Gouveia.

William Restaurant - “Grandma Piedade’s Culinary Secrets”

José Diogo Costa fala ainda sobre os almoços em casa da família da Avó Piedade, localizada na Santa, na freguesia de Porto Moniz. A recriação destes momentos é feita por Eugénia Delgado. Trata-se de uma experiência exclusiva dos hóspedes do Reid’s Palace, A Belmond Hotel. Chama-se “Grandma Piedade’s Culinary Secrets”: “é o trabalho de uma senhora com experiência de vida na cozinha”, resume o chef madeirense. Há poncha feita na hora, sopa de trigo ou sopa de couve e legumes colhidos, bem cedo, na horta, carne em vinha d’alhos e cuscus, “feitos pela senhora Eugénia, que lhes dá um toque fumado muito interessante”, descreve, bolo de mel-de-cana e malassadas.

Mas é sobre o pão feito com batata-doce, cozido num caldo feito à base de couves e as partes menos nobres do porco, em panela de ferro, que José Diogo Costa dá especial ênfase. O sabor único e o tostado, da parte exterior, conquistaram o chef madeirense ao ponto de replicar a receita no Brisa do Mar, o restaurante sazonal do Reid’s Palace, A Belmond Hotel. Permanece aberto de abril a outubro (reabre a 4 de abril de 2025). A cozinha é da responsabilidade da chef Zélia Santos.

William Restaurant

Além de cozinheiro, José Diogo Costa soma, no currículo, os níveis 1 e 2 de WSET (Wine & Spirit Education Trust). Esta paixão levou-o a viajar à região de Burgenland, na Áustria, para conhecer o projeto de vinhos orgânicos e biodinâmicos Gut Oggau. “Aliei a parte da viticultura com a parte de ‘farm to table’” Desde então, passou a ter uma maior percepção sobre a sazonalidade dos ingredientes e, com este exercício, saber esperar, para obter produto de qualidade. No âmbito da vitivinicultura, começou a trabalhar no projeto Macatho, no Chile, o qual incide no vinho natural. Mais tarde, foi parar à Azores Wine Company, na ilha do Pico, para trabalhar nas vinhas, mas os sócios deste projeto vitivinícola desafiaram José Diogo Costa a cozinhar no restaurante. Seguiu-se, por fim, o telefonema do Reid’s Palace.

“Pensava vir mais tarde para a Madeira, mas decidi aceitar o desafio”, diz José Diogo Costa, pondo de parte a cozinha francesa, em prol da identidade madeirense, no William Restaurant (Belmond Reid’s Palace, Estrada Monumental, 139, Funchal. Tel. 291717171), aberto de terça-feira a sábado, das 20h00 às 23h00. “Aquilo que as pessoas valorizam mais agora é o que é nosso, o produto nacional. Há que trabalhar para a ilha da minha infância”, remata.

A equipa Boa Cama Boa Mesa viajou com o apoio da APM - Associação de Promoção da Madeira

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