Nelson Freitas, o melhor jovem chef do mundo: "Temos um papel importante na sustentabilidade. Usar produtos locais e sazonais já ajuda"
Instagram/S.PellegrinoYoungChefAcademy
5 de outubro de 2023: Esta é a data que vai ficar, para sempre, na memória e currículo de Nelson Freitas, de 28 anos. Nascido em Viana do Castelo, o cozinheiro do Fifty Seconds by Martín Berasategui, em Lisboa, foi eleito o melhor jovem chef do mundo. Em entrevista, confessa ter ficado “duas horas a tremer” e orgulha-se de ter ajudado a promover a identidade da cozinha portuguesa
“Não tenho palavras para descrever. Foi brutal, passei duas horas a tremer”. As palavras, ainda emocionadas, são de Nelson Freitas. Aos 28 anos foi eleito o melhor jovem chef do mundo, no âmbito do concurso S. Pellegrino Young Chef Academy 2022. Formado na Escola de Hotelaria de Viana do Castelo, onde nasceu, Nelson Freitas, trabalha desde 2019 no premiado restaurante Fifty Seconds by Martín Berasategui, instalado no alto da Torre Vasco da Gama, em Lisboa. O jovem cozinheiro explica, em entrevista, as principais etapas do concurso, ultrapassadas com o apoio do mentor, o chef Filipe Carvalho, e o segredo do prato de assinatura que lhe deu a vitória: “Salmonete crocante, ouriço-do-mar e alho preto caseiro”.
Venceu no dia 5 de outubro, o concurso S. Pellegrino Young Chef Academy 2022 – 23, em Milão, Itália. Ou seja, foi considerado o melhor chef do mundo abaixo dos 30 anos. Superou outros 15 jovens chefs, vencedores nas primeiras fases da competição nas suas respetivas regiões. O que significa para si este prémio?
Nelson Freitas - Este percurso começou há dois anos em conjunto com o meu chef executivo, Filipe Carvalho (NR. restaurante Fifty Seconds by Martín Berasategui). Decidimos a participação e, para tal, criámos um prato baseado em Portugal, ligado ao peixe e ao marisco. Fomos à fase regional e foram selecionados dez (sete portugueses e três espanhóis). Desses, passou um concorrente à final. Depois foram 15 chefs de várias partes do mundo representar essas zonas, e chegamos à final. O que significou? Foi um acumular de luta, de reconhecimento, de um trabalho de dois anos. Não foi nada fácil, mas deixa-me muito feliz e muito orgulhoso poder representar Portugal. Foi espetacular e cada vez que isso é dito ainda me arranca um sorriso.
Como foi a grande final? O que destaca desse momento?
Sinceramente, o que mais gostei foi a partilha de conhecimento. Eram 15 pessoas espetaculares e talentosas e todos pudemos demonstrar a nossa cultura, o nosso país, a nossa ideia, a nossa mensagem, através da comida. Foi, sem dúvida, o ponto mais alto da competição. Obviamente que também foi espetacular conseguir transmitir o que realmente queremos pela nossa profissão e pela arte.
Esteve em representação dos países ibéricos. Sentiu o peso dessa responsabilidade acrescida?
Até entrarmos na cozinha pesa muito. Mas, a cozinha é também a nossa zona de conforto e, quando ganhei, sabendo que estava a representar, não só Portugal, mas Espanha também, foi espetacular. Não tenho palavras sequer para descrever. Foi brutal, passei duas horas a tremer. É inesquecível.
O júri era composto por alguns dos melhores chefs do mundo, como Pía León, Riccardo Camanini, Hélène Darroze, Vicky Lau e Nancy Silverton. Recebeu algum conselho ou ensinamento, que pretende usar no futuro?
Lembro-me de ouvir várias vezes que é importante não tomar decisões precipitadas e ir passo a passo. Acho que é um conselho, não é? Ir com calma e com os pés no chão, até porque este é um feito muito grande, com divulgação na imprensa mundial e mais ainda dentro da nossa área de trabalho.
Nelson Freitas com o mentor Filipe Carvalho
Venceu com o prato de assinatura “Salmonete crocante, ouriço-do-mar e alho preto caseiro” concebido em parceria com o seu mentor Filipe Carvalho, elogiado pela intensidade, criatividade e equilibro perfeito. Onde foi buscar a inspiração?
Depois de decidir usar peixe e marisco, o objetivo foi passar uma mensagem, uma história ligada a Viana do Castelo e daí usar os ouriços-do-mar. A partir desse ponto, escolhemos o salmonete, que é um dos meus peixes favoritos, e preparamos um prato português, que demonstrasse a nossa identidade. Daí ter um arroz de tomate e de ter usado o alho, que nós usamos em tudo - lembro-me de dizer isso ao júri. Fizemos um prato mais evoluído, mas o que deu realmente trabalho foi ligar todos esses sabores, transmitindo a nossa mensagem, a nossa identidade, sempre com os sabores portugueses presentes. Quando apresentei o prato disse aos jurados que queria que provassem um pouco de Portugal, um pouco do mar… e resultou muito bem.
No concurso, fez questão que o peixe fosse entregue diretamente de Portugal, e os ouriços especificamente de Viana do Castelo…
Veio tudo no dia anterior! Tenho sempre isso em atenção e quando fomos apurados para a final começámos logo a trabalhar com o nosso fornecedor para chegar um dia antes da competição. Acho que não fazia sentido, querermos demonstrar uma mensagem e depois não usarmos o nosso produto. Foi uma logística muito complicada. Foram dias de dores de cabeça, mas acabou por resultar muito bem e conseguimos pôr lá o melhor peixe do mundo, que é o nosso!
Além disso, utilizou todas as partes do peixe para evitar desperdícios. Porque esta preocupação?
Do peixe, os olhos foram a única parte que não usei… Esse é um tema com cada vez maior importância. Usamos uma palavra que está na moda – sustentabilidade – mas, é na prática que temos de o demonstrar, porque é o nosso futuro. Nós cozinheiros, obviamente, temos um papel, pequeno, mas muito importante, ao usar produtos locais e sazonais. Não é fácil ser sustentável, e nem sempre é o mais rentável, por isso cabe-nos encontrar um equilíbrio que corresponda as nossas necessidades diárias e futuras sem comprometer o bem-estar social, o crescimento económico e, claro, o meio ambiente.
O prato vencedor: “Salmonete crocante, ouriço-do-mar e alho preto caseiro”
Considera que este concurso mundial foi também uma boa montra para a cozinha portuguesa? Que mais se pode fazer para promover internacionalmente o que se faz em Portugal?
A gastronomia portuguesa cada vez tem mais peso para além das nossas fronteiras e gradualmente o reconhecimento será inevitável. Acho que temos excelentes chefs que já trabalham diariamente em Portugal e até mesmo internacionalmente que promovem o nosso país e transmitem a nossa identidade através do que fazemos melhor que é a comida. Na minha opinião, esse é o caminho a seguir.
Em contraponto, com o turismo, com a mediatização associada à gastronomia, pode correr-se o risco de perder a identidade da cozinha portuguesa, nomeadamente de matriz mais popular?
Não acho de todo que isso seja um problema. A criatividade e a mediatização da cozinha portuguesa jamais pode mudar os sabores tradicionais. Podemos, sim, trabalhar o efeito visual para ficar mais apelativo e até mesmo adicionar outras texturas, mas o resultado terá de sempre refletir o mais importante que para mim é o sabor. Temos sabores únicos em Portugal e a palavra que deve reinar quando se fala em cozinha tradicional é memória. Ou seja, podemos tentar reinventar receitas tradicionais, mas quando as degustamos queremos sempre revisitar um pouco do passado. O chef Luís Baena disse uma vez: “O futuro é também recuperar o passado”. Dito isto, restam poucas palavras a acrescentar.
Hoje é junior sous chef no premiado Fifty Seconds, do espanhol Martín Berasategui, no topo da Torre Vasco da Gama, em Lisboa. Como é ter a oportunidade de trabalhar todos os dias numa cozinha assim?
É incrível. Estamos na Torre Vasco da Gama, a 120 metros de altura! É um projeto incrível, muito bem pensado e montado, tendo em conta o espaço exímio, e com a possibilidade de trabalhar com o melhor produto do mundo. São 10 mesas, 28 clientes e 20 pessoas a trabalhar. Entrei em 2019 como ajudante de cozinha e agora estou como junior sous chef. É espetacular!
Nelson Freitas em ação no concurso S. Pellegrino Young Chef Academy 2022 – 23, em Milão