Justa Nobre, Prémio Carreira 2023: "Temo que venha aí uma grande crise para a restauração"

Jornalista
Reconhecido desde os anos 90, quando os cozinheiros quase não tinham exposição pública, o nome e o trabalho desenvolvido por Justa Nobre têm cativado clientes a seguirem-na nas diversas moradas que abriu ao longo de quase 45 anos, “sendo um exemplo de determinação e uma referência da cozinha portuguesa, erguendo-se sempre de sorriso rasgado no rosto e oferecendo uma palavra amiga a quem a contacta”. Com a atribuição do Prémio Carreira 2023, “distingue-se uma personalidade que tem contribuído decisivamente para o desenvolvimento e afirmação da gastronomia e restauração em Portugal, com uma vida profissional dedicada a este sector e com amplo reconhecimento pela comunidade", pode ler-se na justificação da decisão. A distinção é entregue, esta terça-feira, dia 28 de março, na cerimónia anual que premeia os melhores restaurantes e hotéis nacionais. O Guia Boa Cama Boa Mesa 2023 é publicado a 31 de março.
Em entrevista ao Boa Cama Boa Mesa, Justa Nobre, de 65 anos, afirma que Lisboa tem restaurantes a mais e anuncia-se frontalmente contra a obrigatoriedade de gratificação nos restaurantes. A chef e empresária antevê a chegada de uma crise, que tem sido evitada pela dinâmica do turismo.
Boa Cama Boa Mesa - Nasceu em Vale de Prados, Macedo de Cavaleiros, mas rumou a Lisboa ainda adolescente. Que sonhos perseguia?
Justa Nobre - Tinha 15 anos. Nesse tempo apenas queria trabalhar e ter alguma sorte. Vim fazer companhia a uma menina com paralisia cerebral, mas queria, principalmente, ser feliz e ganhar algum dinheiro. Não queria voltar porque a aldeia não tinha nada para me oferecer. Tinha o sonho de ser enfermeira ou cozinheira. Acabou por ser mais fácil ser cozinheira. Na época, não tinha dinheiro para estudar enfermagem.
Quando chega à cozinha?
- Trabalhava numa tipografia, o meu marido era empregado de escritório na mesma empresa, em Alfragide, e o chefe da empresa, Luís Vaz, decidiu abrir um restaurante, o 33, na rua Alexandre Herculano, em Lisboa. Como sabia que eu cozinhava bem, convidou-me. De repente, do nada, ia ser cozinheira? No início, recusei, mas acabei por ir abrir o restaurante. Tinha 21 anos e assim começou a minha carreira.
É aí que nasce a sopa de santola, que ainda hoje serve?
- Nesse tempo todos os restaurantes tinham uma sopa de marisco, mas por norma só usavam camarão e pouco mais. Um dia no mercado comprei umas santolas e decidi experimentar. Fiz algumas experiências, mas é quando tiro a patas à santola que decido testar a sopa servida na carapaça.
É uma orgulhosa embaixadora da gastronomia de Trás-os-Montes, mas parece ser nos peixes que mais se realiza como cozinheira…
- Parece uma contradição, mas tem uma explicação muito simples. Muitas vezes pediam-me para surpreender os clientes habituais e como a carne não permite tanta criatividade especializei-me no peixe que é de cozedura rápida e delicada.
Chegados ao Nobre, que abre na Ajuda, em 1990, qual foi a importância de ter Mário Soares como cliente?
- O Dr. Mário Soares chamou muita atenção para o restaurante. Levou muita gente, quer para a mesa dele, quer clientes que lá iam, porque sabiam que o iam encontrar. Foi o momento mais marcante da minha vida, a primeira vez que Mário Soares entrou no restaurante. Mas também foi marcante a primeira crítica do José Quitério no Expresso.
A inflação e o custo de vida está a afastar os portugueses dos restaurantes?
- Não tenho notado isso. As pessoas continuam a vir, e mesmo ao fim de semana estamos cheios. Para já não sentimos nada.
Mas, segundo a AHRESP, encerram 14 restaurantes por dia em Portugal. O mercado ajusta-se ou receia uma nova crise no sector?
- Temo que venha aí uma grande crise para a restauração. Mas, convém dizer que Lisboa tem demasiados restaurantes e estas crises, normalmente, são um filtro. Quem tem estrutura, vai-se aguentar, quem não tem, acaba por fechar. Agora, já se sente uma grande instabilidade, certas casas tanto dão serviço como ficam com dois ou três clientes, o que, a juntar aos aumentos da matéria-prima, deixa antever a possibilidade de uma crise grande. Se o turismo baixar, ai, sim, vamos passar um mau bocado.
Qual prevê que seja o futuro da gastronomia em Portugal?
- Numa cidade grande, tudo faz falta. Mas, a tradicional terá sempre presença. Aliás, veja-se que os jovens cozinheiros aproveitam tudo o que é popular para servir no seu fine dining.
É um tema cada vez mais falado no sector. Concorda com a obrigação de gratificação na conta final apresentada ao cliente?
- Não concordo. O empresário tem de pagar bem ao seu pessoal para poder fazer um bom trabalho. Quanto à gorjeta, não temos de obrigar o cliente a dar, se o próprio não tiver essa vontade.
Disse uma vez que nasceu cozinheira, porque há coisas que nos saem da alma. Era na cozinha que gostava de acabar os seus dias?
- Sim, não a cozinhar para o público. A fazer um jantarinho, um livro ou dois de receitas, a cozinhar para os bisnetos…
Arrepende-se de não ter sido enfermeira?
Não. Sou feliz a fazer o que faço e reconhecida pelos clientes e pela imprensa. E agora, com o Prémio Carreira, atingi o reconhecimento máximo. Mas tinha dado uma boa enfermeira (risos).
O Guia Boa Cama Boa Mesa 2023, que conta com o apoio do BPI e do Recheio, vai estar disponível nas bancas, a partir de 31 de março, por €18,90. Aproveite a campanha de pré-venda, que inclui descontos e oferta de portes.
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