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Entre Portugal e o Japão, a viagem do Midori faz-se em nove atos de mestria gastronómica

Restaurante Midori
Restaurante Midori
Luís Ferraz

A nova carta do restaurante chefiado por Pedro Almeida é uma longa e saborosa viagem entre Portugal e o Japão, combinando a precisão da técnica, receituário reinventado, elogios à qualidade do produto e à Serra de Sintra

A sala do mais antigo restaurante japonês em Portugal é de uma simplicidade desarmante. Com poucas mesas, quase despidas, o Midori convida a ignorar todas as distrações e a atender à riqueza da nova carta, contemplando os jardins do Penha Longa Resort, em Sintra. A pintura na parede revela uma caravela portuguesa, uma geisha e a carpa Koi, símbolo de prosperidade, longevidade e equilíbrio na Ásia. Aqui, celebra-se a histórica ligação entre o Japão e Portugal. Serve-se “comida japonesa com sabores tradicionais, genuínos e influências atuais, onde o mais importante é a qualidade e origem do produto”. Foi com o chef Pedro Almeida que o Midori conquistou a primeira estrela Michelin e é com ele que continua a surpreender.

Midori
Martin James Photography

Pode escolher entre os menus Kiri (oito momentos por €129 e pairing vínico de €80) e Yama (nove momentos por €159 e pairing vínico de €105). A sommelier Eveline Borges apresenta um Blandy's Sercial para harmonizar com os snacks do Hassun. A frescura do “Tártaro de toro”, num delicado crocante de alga nori, e logo depois a “Esfera de aji tataki com molho à espanhola” e a aproximação à street food no “Gyu katsusando com karashisumiso”, uma bela sandwich de Wagyu intensificada com a mostarda e vinagre. Segue-se a curiosa “Bola de Berlim”, com recheio de santola e um envolvimento à base de courato de porco (é cozido, liberto do excesso de gordura, desidratado, frito e triturado), um pouco de açúcar, pimenta sansho e sal. A estaladiça “Cabeça de camarão frita com plancton e aioli de yuzu” faz nova ponte com a tradição nipónica e recupera as memórias do chef, dos cozinhados em família.

Midori
Luís Ferraz

Mineral e salínico, o Arinto dos Açores 2019 dá frescura ao excelente “Misoshiro de caldeirada de raia”, que não dispensa o “piso” de coentros, alho e azeite, pão torrado e o tomate em pickle, mais a confortável sopa Miso. O Mukozuke introduz o sashimi... Abre-se uma caixa e rega-se o “Sashimi de lírio curado em eucalipto, e cogumelo shiitake” com uma infusão de pinheiro. O vapor libertado lembra a neblina a tomar de assalto a Serra de Sintra, e os seus aromas. Veem-se até folhas de árvores, pinhas e pequenas pedras no cénico empratamento. Esse bosque é, realmente, onde o restaurante cresceu. A própria designação, Midori, significa “verde”. De desenho mais sóbrio, o “Shashimi de atum à Brás” vence no “sprint” de sabores, auxiliado pela cebola caramelizada, o puré de alho e os pós de azeitona e salsa, numa bela reinterpretação da receita típica. Depois vem o tributo ao “Bacalhau com todos” da consoada, mas deixando o vegetal assumir a centralidade, em vez da proteína. Na “Couve dengaku com pilpil de bacalhau”, a forma da couve recorda o lombo de bacalhau e sobressai o contraste de texturas e sabores, com o amargor e o travo assado a serem compensados pela caramelização.

Midori

A “Seleção de nigiris do chef” é apresentada por Pedro Almeida como parte da sua “cozinha de autor próxima do Japão”. Indissociável, claro está, dos sabores portugueses e das suas vivências pessoais, como o simples prazer de ir à horta e saborear tomate fresco. Serve-se, a propósito, um nigiri de tomate assado, e depois um de carapau e um de polvo, que também é “muito especial no Japão”. O polvo “é massajado vigorosamente” antes de os tentáculos cozinharem durante sete minutos com chá-verde e soja, e servirem com cebola, azeite, vinagre, salsa e o detalhe de uma ventosa, essa sim, estufada em vinho tinto e cebola. Intervale com os cubinhos de cenoura em sunomono até à brilhante tríade de atum: um é fumado, usando folhas de louro e polvilhado de muxama; outro é o chutoro em conserva e há ainda um nigiri de toro braseado à mesa com carvão. São prazeres a sextuplicar...

Luís Ferraz

A “Pescada com algas e batata em diferentes texturas” acompanha com caviar Imperial e o avinagrado beurre blanc, antecedendo a carne. No “Sukyiaki de porco preto e pimentão”, o Japão comunica com o Alentejo na escolha da proteína e sobretudo com o Norte: a família do chef é oriunda dessa região e Pedro recupera a lembrança das matanças do porco na casa dos avós e os rituais que daí derivavam, como os enchidos e o tempero das carnes. À imagem da tradição do Sukyiaki de Tóquio, neste prato o caldo vem feito, vertendo sobre os ingredientes, que assim terminam de cozinhar. O caldo é composto por igual proporção de dashi, soja, mirin e sake, além de um pouco de açúcar e de jus de porco. “Baseámos-nos muito na técnica japonesa, dos pratos cozinhados japoneses. Queríamos mostrar técnicas que fossem genuinamente japonesas, asiáticas, mas indo buscar sabores que fossem muito familiares”, comenta Pedro Almeida ao Boa Cama Boa Mesa.

Midori
Martin James Photography

Para a reta final do serão no restaurante Midori (Penha Longa Resort, Estrada da Lagoa Azul, Linhó. Tel. 219249011) reservam-se os doces. O “Anmitsu de maçã de Alcobaça” inclui um ingrediente popular no Japão, o feijão Azuki, e também gelatina e sorvete de gengibre. Por sua vez, o “Chocolate e cogumelos” é um pecado com cinco diferentes chocolates e cogumelos, brincando com texturas e a perceção. Dos cogumelos de chocolate ao brownie com o cogumelo Lactarius deliciosus abundante na região, além dos Eryngi, Shiitake, Enoki e dos cogumelos Shimeji grelhados à mesa, para intensificarem o conjunto. A “funcionar muito bem”, a nova carta conta com “muitos sabores para apanhar o bocadinho de frio que ainda temos”, às portas da primavera.

Pedro Almeida
Luís Ferraz

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