O admirável mundo novo da Azores Wine Company na ilha do Pico
Francisco Nogueira
Primeiro recuperaram-se as vinhas. Depois, integrado na paisagem vulcânica do Pico nasceu o edifício da adega, que guarda um restaurante de cozinha local de autor e, mais recentemente, quartos com terraços, rodeados pelos currais negros das vinhas e com vista para o mar.
O inquieto enólogo António Maçanita, açoriano pelo lado do pai, após vários projetos de recuperação das castas no arquipélago juntou-se a Paulo Machado e Filipe Rocha, em 2014. Criaram a Azores Wine Company. Na segunda maior ilha, o Pico, onde se havia perdido uma cultura vínica secular, os três sócios juntaram vontades para recuperar a vinha do Pico. Em 2020, a Azores Wine Company já dera vida a 1000 hectares de vinha. É um feito, mas representa pouco mais de 15% da área que existiu no passado na ilha.
Solos difíceis, altitude e brisa atlântica compõem um ambiente único para que os vinhos do Pico sejam verdadeiramente surpreendentes e originais. É inevitável sentir-se arrebatado pela paisagem vínica do Pico, Património Mundial da UNESCO desde 2004. A Paisagem da Cultura da Vinha é um forte motivo para ir até à ilha, sendo naturalmente incontornável o primeiro propósito de muitos, a subida da montanha mais alta de Portugal, com 2351 metros.
Os currais, muros de pedra negra construídos pelas mãos das gentes da ilha, pedra sobre pedra, quilómetros sem fim de “quadradinhos” pensados para proteger a vinha do vento e da água do mar serão a maior urdidura de pedra que o homem jamais fez. Até à chegada da filoxera, que dizimou a vinha e fez as gentes do Pico sair da ilha, sobretudo para os Estados Unidos, a produção de vinho era motivo de prosperidade, tendo inclusive os vinhos dos Picarotos chegado à mesa dos czares da Rússia.
Pico, ilha de vinhos brancos
A Azores Wine Company tem esta questão bem enraizada, mas há um tinto entre a produção que merece destaque, inusitado, um pouco punk no rótulo e na boca, o Isabella a Proibida, homenagem a uma rainha que assegurou o cultivo da vinha após a filoxera.
Azores Wine Company
A adega, projeto da dupla portuguesa SAMI Arquitetos e do ateliê britânico DHR, nasceu em 2018 perfeitamente integrada entre os currais, como se fosse um prolongamento dos mesmos. A experiência nesta adega, apesar do desenho purista, remete para as adegas do Pico que, mais do que lugares de produção de vinho, são pontos de encontro entre amigos, de convívio, alegrados por brindes com vinho, onde é possível ficar a beber em torno de uma fogueira, sabendo que se passarmos um pouco da medida é possível ficar a dormir. São muitas as “Adegas” do Pico, na maioria já não produzem vinho. Foram transformadas em turismos rurais, mas continuam a ser pontos socialização.
É este precisamente o convite feito pela Azores Wine Company, espaço dedicado à vivência do vinho. Junta terroir único, adega de autor com vista para o Pico, São Jorge e Faial, provas, loja, e acrescenta ainda a possibilidade de ficar a dormir num dos cinco quartos (desde €180) ou no T2 (a partir de €275) com vista mar e terraços para os currais. Um copo de vinho nestes terraços enquanto observa o pôr do sol, é uma sensação que não se esquece. Se for madrugador não perca a magnífica luz do amanhecer porque as janelas estão pensadas em jeito de tela da paisagem. Aproveite a tranquilidade e os preços de inverno desta “adega-hotel”.
Azores Wine Company
Francisco Nogueira
A atenção ao pormenor no projeto é total. Nos quartos tem uma pequena cozinha equipada com cafés de várias proveniências e chá dos Açores. Uma marca portuguesa de produtos orgânicos, criou uma linha baseadas na vinoterapia, Vinoteca by Oliófora, com 7 óleos essenciais para relaxar, entre os quais amêndoas doces e grainha de uva.
A ideia é percorrer um pouco da costa do Pico a olhar o grande azul perto da hora do pôr do sol. Chegar à adega e escolher uma das cinco provas de vinho (de €20 a €50). Recomendamos a "Louco por Brancos", prova de cinco vinhos brancos - o Vulcânico 2019, Verdelho O Original 2019, Arinto dos Açores 2019 e Arinto dos Açores Sur Lies 2019 e ainda Terrantez do Pico 2019 (quando António Maçanita começou a casta tinha apenas 89 plantas na região). O Verdelho, mãe do Arinto, denomina-se original em contraponto ao Verdelho encontrado no continente, procurando chamar si a antiguidade da casta. Ao Sur Lies, com fermentação sobre as borras, só lhe faltam as bolhinhas para se tornar um espumante.
Azores Wine Company
Suba ao restaurante, com cozinha chefiada por José Diogo Costa com o apoio de Angelina Pedra e serviço de sala da responsabilidade de Inês Vasconcelos, que também conduz as provas de vinho com a vista para currais e mar e onde é igualmente servido o pequeno-almoço. Passando para o restaurante, se possível, fique na mesa “Pico”, feita de rocha negra vulcânica a espreitar ao centro tal qual a montanha que deixa espreitar o Piquinho no cume, iluminada por um candeeiro em forma de lua. O restaurante funciona de quinta-feira a domingo em dois turnos das 19h00 às 21h00 e das 21h30 às 23h30, e apenas com menus degustação, usualmente com seis pratos. Os preços começam em €95, dependendo das harmonizações vínicas, e terminam em €440, com o espumante 2014, o branco Canada do Monte 2018, Vinha dos Utras 2019, Sabor(z)inho 2015 e um licoroso do Pico de 10 anos. Existe ainda a possibilidade de jantar ao balcão com um menu de cinco pratos e sobremesa (€30), uma barra que, de futuro, poderá ser local de provas harmonizadas com sugestões gastronómicas. Por enquanto pode acompanhar o Menu ao Balcão com os vinhos da adega a preços especiais.
Azores Wine Company
Francisco Nogueira
Entre as propostas do chef, que vão mudando consoante a sazonalidade, estão a "Lapa flamejada com quatro tipos de algas dos Açores" (Patinha, Lagosta, Malagueta e Alface-do-mar), depois manteiga clarificada com sabor a frutos secos e caramelo salpicada de flor de sal e pão quente de água, levedado na estufa própria. Segue-se uma fusão, motivada pelas muitas viagens de José Diogo Costa, com o Ceviche do Chile e o sahimi do Japão, a Pimenta da Terra dos Açores, os pickles da Conteira (planta até à data considerada uma praga a que o chef deu novas aplicações), Encharéu, coentros e aipo. Depois o Dourado, peixe com couve-lombarda roca velha e molho Hollandaise com lima, e ainda Chambão, prato novo, com molho feito com os sucos da carne, inhame, espinafre selvagem e açafroa (planta que só pode ser colhida de noite quando a flor se fecha porque de dia, aberta, tem muitos picos).
Azores Wine Company
Não poderiam faltar o queijo de São Jorge, servido com batata-doce, Nastúrcios e raspas de abóbora fermentada, enviada diretamente por um amigo asiático do chef, e o Ananás de São Miguel com bavaroise de sementes, farinha torrada de milho e limão-galego. Termine com um café especial de um país de cultura cafezeira mundial e Brigadeiro com folha de citrino em pó. Tome um licoroso na sala de provas e recolha ao conforto do quarto do projeto Azores Wine Company Hotel (Rua do Poço Velho, Cais do Mourato, Madalena, Pico. Tel. 918266989).
Paulo Machado, Filipe Rocha e António Maçanita
Francisco Nogueira
Conheça melhor a cultura vínica do Pico e visite o Museu do Vinho do Pico e a sua Mata de dragoeiros e alambiques, o Centro Interpretativo do Vinho e da Vinha (de momento com visitas guiadas às vinhas suspensas), a Criação Velha, as vinhas mais antigas do Pico, únicas sobreviventes à filoxera do século XIX, o Cella Bar, prémio ArchDaily onde provar vinhos e petiscar, Insula Atlantis e Adega do Vulcão, ambas muito próximas uma da outra e rodeadas de um cenário de currais a perder de vista, Lucas Amaral e ainda a Picowines.
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