Há quem ache que isto é simplesmente sensual, provocativo, sedutor. Para mim, a imagem que reproduzo na abertura do texto é simplesmente preguiçosa, mais do mesmo. E o mesmo é a contínua sexualização da figura feminina como ponto de partida para campanhas de moda e publicidade. Não conseguimos fazer melhor que isto? Ou já chegámos ao cúmulo de se fazer propositadamente uma campanha preguiçosa porque se sabe que vai ser polémica e, inevitavelmente, muito badalada?
Alexander Wang partilhou no Instagram as primeiras imagens da nova coleção de inverno 2017, entre elas, uma da modelo Bella Haddid, com um vestido preto pela cintura, meias de rendas, sapatos altos, sentada de pernas abertas, sem cuecas, a tapar a vagina com uma clutch. Enfim, volto a dizer: isto é só preguiçoso. Até porque não passa de um repetição do tipo de imagem que a marca já apresentou no passado, tal como as das jeans apresentadas em 2015, cujas imagens remetiam para outra modelo de renome ora toda nua, sentada num cadeirão com as calças pelos tornozelos, ora de pé, com as mamas à mostra e a braguilha aberta. Num ambiente criativo como o da publicidade e da moda, não consigo deixar de achar, repito, altamente preguiçoso que se use a mesma fórmula, uma e outra vez, principalmente quando essa mesma fórmula já está totalmente gasta e não apresenta nada de inovador. Por mais que possa chegar às massas, isto da pornificação da mulher para vender calças de ganga ou vender vestidos de cetim, já enjoa.
Já no passado bati nesta tecla por aqui: há quem considere que as imagens do mundo publicitário são uma forma de arte e que, como todos sabemos, a arte não tem, à partida, grandes limites. Cada um interpreta-as à sua maneira e a criatividade não merece espartilho, de acordo. Mas por mais que até possa ter como base uma componente artística e estética, a publicidade – seja ela no universo na moda ou noutro qualquer - tem um intuito primordial, que é vender uma mensagem. E as marcas não se podem, nem devem, demitir da sua cota parte de responsabilidade social quando o fazem às massas, no espaço público.
As consequências da constante desumanização de homens e mulheres
Imagens como estas têm gerado uma inevitável regulação do sector publicitário nos últimos anos, com países como Suíça, Reino Unido e França a dar o exemplo. A partir de novembro, vão mesmo passar a ser proibidas nos espaços públicos de Paris campanhas publicitárias que utilizem representações degradantes, ofensivas e desumanizadas de homens e mulheres, tal como mensagens discriminatórias com base em fatores como, por exemplo, o género, a etnia, a religião ou a idade. Resumindo, campanhas cuja mensagem inerente - seja ela de forma explícita ou simbólica - ataque a dignidade humana, já não têm espaço na capital francesa. Uma medida motivada, em boa parte, por uma campanha amplamente criticada da Yves Saint Laurent, que no início do ano retratava uma série de mulheres como se fossem objetos, tal qual bonecas insufláveis, submissas e, é claro, sexualizadas.
Se olharmos para a história da publicidade vamos percebendo que há um percurso feito neste sentido e que cada vez menos são toleradas imagens que passem mensagens discriminatórias ou potenciadoras de comportamentos inaceitáveis. Esta evolução acompanha a da vida em sociedade: se nos anos 70 ninguém questionava quão grave era a mensagem de uma marca de cosmética feminina, que usava a imagem e o apelo à inocência de uma menina como gatilho para a sensualidade de uma mulher, hoje isso seria totalmente inaceitável. Uma campanha como a da foto em baixo seria trucidada em três tempos. Assim como daqui a uns anos, quero acreditar, campanhas como esta de Alexander Wang muito provavelmente serão reprovadas à cabeça e interpretadas como algo despropositado e reprovável. Até lá, é importante refletirmos sobre as consequências da constante desumanização de homens e, principalmente, de mulheres em imagens publicitárias, tal como a híper-estereotipação dos comportamentos que são esperados de cada género. Ambos caminhos perigosos que nos levam, de certa forma, a normalizar em praça pública atos e comportamentos que não são admissíveis. Como a aceitação da brutalização e da discriminação, por exemplo. Ou a sexualização constante do corpo feminino enquanto simples objeto de desejo.
Volto a citar Hélène Bidard, responsável pela pasta da luta contra a discriminação e a defesa dos direitos humanos na Câmara de Paris: “As consequências destas representações degradantes têm um importante impacto nas mulheres, especialmente nas mais novas. São imagens que nos levam a manter o machismo como padrão e que ajudam a trivializar uma certa forma de violência diária”. Desta vez, não me parece que ninguém tenha pensado nisto ao fazer esta campanha. Parece-me, sim, que estamos a enveredar por uma caminho ainda mais ardiloso, que é o de se aproveitar o facto de questões como estas estarem em pleno debate público para se gerar controvérsia e, consequentemente, visibilidade. Que tristeza uma marca de renome ter de recorrer a esquemas destes para vender o seu peixe.
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