Os crimes que envolvem crianças dilaceram-nos.
Morremos juntos quando sabemos de uma criança desaparecida, violentada, assassinada.
Quando chegou a notícia de que a esperança acabara e que a menina de nome Valentina morrera, alegadamente às mãos do próprio pai e madrasta, em todas as casas o tempo gelou, a culpa cresceu, a dor explodiu. Queremos muito voltar atrás, correr ao minuto decisivo onde ainda era possível travar a tragédia, queremos fugir do lugar sombrio, este, o mundo em que é possível nascer-se para se morrer criança, com todos os sonhos por cumprir. Queremos muito saber muita coisa ao mesmo tempo, sentimos raiva, comprimimos o instinto de culpar tudo e todos, porque nada sabemos do caso, pelo que aguardamos, estupefactos na dor absolutamente empática que nos une.
Respeitamos a memória de uma menina que teve a sua individualidade, as escolhas possíveis de uma criança, o seu dia a dia, respeitamos.
No meio deste respeito cheio de dor há um abutre que vê na morte de Valentina uma oportunidade. André Ventura usa a fotografia da criança, como se propriedade sua, indiferente à tal individualidade do ser humano que morreu. Usa a imagem de Valentina e espalha-a nas suas redes socias para fazer ecoar a proposta miserável de regresso à prisão perpétua. Valentina, assim, sem direito a consentimento, tem o seu rosto feito em bandeira da reivindicação do Deputado imoral.
O abutre de extrema-direita atreve-se a apresentar um voto de pesar “pela morte da pequena Valentina Fonseca, às mãos de quem a deveria amar e proteger” com o único intuito de o ver chumbado e fazer disso alarido mediático, já que nos considerandos do voto apela à consagração da pena de prisão perpétua através de revisão constitucional, mais uma vez fazendo da criança uma bandeira.
Ventura não tem qualquer limite ético. É seu hábito fazer circular fotografias de adversários e adversárias com frases retiradas do contexto para gerar ódio e cavalgar bandeiras extremadas.
Esta semana, porém, sedento de fazer uso da natural comoção popular em torno de uma circunstância que apela à nossa decência e respeito, foi até ao fundo do poço da sua miséria moral. Apropriar-se do rosto e da tragédia de uma criança é criminoso.
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