O Parlamento Europeu, a 19 de setembro último, aprovou uma resolução “sobre a importância da memória europeia para o futuro da Europa”.
A Resolução, curta e propositadamente atabalhoada, equipara sob o critério do “totalitarismo” Hitler e Estaline, rejeitando em termos paralelos “nazismo” e “comunismo”.
Naturalmente, todos os escribas da direita que reclama não haver diferença entre a extrema-direita e a esquerda comunista ou de outro tipo (que em nada ameaçam a democracia) deram largas à sua alegria, escrevendo da confirmação da sua tese pelo PE.
Quem rejeita a equiparação entre Estaline e Hitler e a equiparação absurda entre nazismo e comunismo é, de forma imediatista, acusado de aderir ao estalinismo, mas a acusação torpe e populista não pode degradar o compromisso – difícil nos tempos que correm – com a densidade real dos factos pouco propícios à alegria de claques.
Os factos históricos que realmente respeitam a memória europeia fazem corar de vergonha o oportunismo de circunstância do PE. Será assim tão difícil reconhecer que a memória europeia, na segunda metade do século XX, fez-se, precisamente, da oposição entre dois pólos ideológicos? Mais impressionante é o jogo acientífico com os termos “totalitarismo” e “autoritarismo” por forma a que tudo o que seja não-democrático caia no mesmo saco nivelador da indiferença histórica.
É um golpe mortal na nossa memória europeia fingir que não se percebe o seguinte: o comunismo é uma ideologia, com carácter utópico, como todas, que visa um objetivo de transformação social e económico “bondoso”. Almejar uma “sociedade sem classes”, do ponto de vista utópico”, não é antidemocrático. Há uma discrepância evidente entre a ideologia comunista e a prática estalinista que, na linguagem da resolução, pode ser apelidada de “totalitária”, mas assim como não culpo a democracia pelo aparecimento de Hitler (que usou dos seus meios para chegar onde queria), não posso culpar o comunismo pelo estalinismo.
Já no que toca ao nazismo, não há qualquer discrepância entre a prática – aqui todos os horrores, desde logo o Holocausto – e a teoria tão evidenciada pelo próprio Hitler em Mein Kampt. A especificidade do nazismo é a sua dimensão racial, a assumida crença de Estado numa raça superior e empenhamento jurídico, administrativo e militar na aniquilação dos judeus, todos os judeus do mundo.
Não perceber que num caso a prática trai a teoria que não previa qualquer crime e que noutro a prática confirma a teoria é, isso sim, trair a memória europeia. E essa traição é útil. Sabemos a quem.
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