É hoje. 20ª edição. Lá estaremos. Orgulho LGBT. Quando eu era nova, mas ainda longe de me ter feito as perguntas certas, não percebia o “orgulho”. Agora, quando leio em 2019, com a igualdade na lei conquistada porque existe esquerda em Portugal, jovens e adultos a fazerem troça do orgulho LGBT e a reclamarem o orgulho heterossexual sinto raiva. Às vezes, vejo-me a explodir.
Depois penso por que raio me perdoei e sou tão impaciente com a homofobia alheia. Talvez porque tenha para mim que há um prazo razoável para sair do armário ideológico, religioso ou sociocultural que nos bloqueia a empatia, talvez porque tenha para mim que é menos compreensível a homofobia em 2019, após tantas lutas, tantos debates, tanta visibilidade, do que há 25, 30 anos atrás.
A verdade é que seja qual for a razão para a persistência da homofobia, ela está aí. Os avanços foram enormes. Não sou, nesta matéria, o “lugar da fala”, mas por andar pela matéria, por ter tantas e tantos amigos homossexuais, sei que hoje é mais fácil do que há 30 anos exprimir-se individualmente a nossa identidade sexual e saber mais das possibilidades do que das impossibilidades.
Não foi fácil o caminho pela igualdade na lei. Vivi intensamente a luta pelo casamento igualitário (2010), pela igualdade nas candidaturas à adoção para os casais do mesmo sexo (2016), pela igualdade no acesso às técnicas de procriação medicamente assistida (2016) e pela revisão da lei da identidade de género, no sentido de passar a consagrar a autodeterminação (2018).
Senti um soco no estômago quando dei pela invisibilidade lésbica, pela conjugação monstruosa do sexismo e da homofobia, em toda a história da procriação medicamente assistida para todas as mulheres independentemente da sua orientação sexual. Foi a conquista mais difícil e parecia-me academicamente tão fácil (dada a inconstitucionalidade evidente de apenas mulheres tuteladas por um homem poderem ser mães via PMA). Foi uma conquista envolta em insultos às “mulheres egoístas” que se atreviam a serem mães sem um homem “como deve ser”. O soco prolongou-se, porque a lei foi aprovada e quase não se falou nela. Porque o sistema cala e invisibiliza as lésbicas.
De resto, o soco passou a pontapé quando, por iniciativa de Deputados do CDS e do PSD preocupadíssimos com estas mães “horrorosas”, o Tribunal Constitucional, revogando jurisprudência anterior, declarou inconstitucional o anonimato das doações de gâmetas. Isto é: esterilizou as lésbicas.
Aprovámos, recentemente, uma lei que tenta minimizar o efeito da bomba.
Gays, lésbicas e bissexuais têm se ser iguais e livres muito para além da lei e tendo em conta os múltiplos fatores de discriminação que encerram em si mesmos.
Marcho por toda a comunidade LGBT, mas este ano grito especialmente pelas lésbicas, pela sua visibilidade, pelo cruzamento que vejo em tantas mulheres entre misoginia, sexismo, homofobia e racismo.
A extrema-direita e os populismos crescem à nossa volta. O fanatismo religioso elege presidentes de grandes potências. O sexismo e o racismo lá estão. E as lésbicas precisam de ser ouvidas.
Marchemos.
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