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O mítico concerto dos Nirvana em Cascais foi há 30 anos: Kurt Cobain estava “apático”, houve “muito mosh” e um som de “panela de pressão”

Nirvana em Cascais, 6 de fevereiro de 1994
Nirvana em Cascais, 6 de fevereiro de 1994
Rita Carmo

A única passagem por Portugal dos Nirvana teve lugar a 6 de fevereiro de 1994, no Dramático de Cascais. Kurt Cobain não estava bem e deixaria este mundo pouco depois, mas as memórias fixaram-se no imaginário de uma geração. Recuperamos testemunhos publicados originalmente em 2011 e 2019 – de responsáveis pela editora e promoção do grupo em Portugal ao espectador (e, em 94, futuro músico) David Fonseca – e juntamos-lhes vídeos e imagens de um dos concertos mais emblemáticos dos últimos trinta anos de música ao vivo no nosso país. Vale a pena recordar

O mítico concerto dos Nirvana em Cascais foi há 30 anos: Kurt Cobain estava “apático”, houve “muito mosh” e um som de “panela de pressão”

Rita Carmo

Fotojornalista

"Às 10.18 horas as luzes apagaram-se para deixar ver o palco em tons roxos, a histeria começou. Os gritos das meninas que estavam nas bancadas aumentaram quando viram, nos bastidores, a silhueta de Kurt Cobain a acender um cigarro. A guincharia aumentou ainda mais quando os músicos entraram em palco. À esquerda estava Kurt Cobain, ao meio Krist Novoselic e Pat Smear na ponta direita", escreveu António Freitas no jornal BLITZ, na edição que seguiu o muito aguardado concerto em Portugal, ocorrido a 6 de fevereiro de 1994. Era o primeiro concerto da volta europeia da última digressão dos Nirvana com Kurt Cobain, que viria a ser encontrado morto a 5 de abril seguinte. A In Utero Tour nunca chegaria ao fim - o último concerto aconteceu em Munique, na Alemanha, a 1 de março; as restantes datas ficaram adiadas para sempre.

A lotação de 4500 lugares no mítico palco do Dramático de Cascais esgotou com antecedência. No número anterior do BLITZ, Dave Grohl dissera em entrevista ao jornal BLITZ que o concerto seria o melhor de toda a digressão. "Vocês estão cheios de sorte. Podes escrever isto: vai ser o melhor concerto das nossas vidas!!! Estou excitadíssimo. A propósito, como é que está o tempo por aí?", brincou o baterista.

À época os Nirvana eram "a coqueluche das novas gerações", notava António Freitas no BLITZ, "embora muitos não saibam porquê". "Eu sinto-me bastante honrado quando me dizem uma coisa dessas. Mas é difícil, para mim, pensar que conseguimos mudar alguma coisa na indústria musical. Eu, o Krist, e o Kurt somos pessoas normais. Somos novos, zangados, um bocado estúpidos e fazemos muito barulho. E quando alguém diz que fizemos com que as coisas fossem diferentes, isso é para nós motivo de orgulho. A indústria é uma merda, está cheia de mentiras, há tantas bandas incrivelmente boas que tu nunca ouviste porque as editoras não estão dispostas a investir dinheiro nelas... Mas é verdade que quando chegámos ao primeiro lugar do top ficámos todos contentes. Dissemos: as pessoas já não andam a ouvir Guns N' Roses ou Whitney Houston, andam a ouvir Nirvana", disse-nos então Dave Grohl.

Os Nirvana trouxeram consigo o guitarrista Pat Smear (ex-Germs, que, mais tarde, se juntaria a Grohl nos Foo Fighters) e a violoncelista Melora Creager (em substituição de Lori Goldston, cujo instrumento se ouve em "In Utero"). A banda apresentou um alinhamento que cruzava novidades, como 'Radio Friendly Unit Shifter' (com o qual abriram a atuação) ou 'Serve the Servants', com outras músicas já bem conhecidas dos fãs, casos de 'Come As You Are', 'Smells Like Teen Spirit' ou 'About a Girl'.

Entre as mais de quatro mil pessoas que encheram a sala de espetáculos estava David Fonseca, que em maio de 2012 recordava à BLITZ: "fui ver os Nirvana ao Dramático de Cascais e lembro-me de 'Scentless Apprentice' ser a canção que mais queria ouvir. E eles tocaram-na. Caí tantas vezes no "mosh pit" que só me lembro de ouvir bocados. Na altura, às vezes a ação fora do palco era mais agitada que em cima dele".

"O Pavilhão estava cheio e houve muito mosh - ambas as situações eram comuns, à época naquela sala. Lembro-me que foi um concerto difícil de fotografar: deram-nos três músicas para estarmos no fosso, ou ainda menos; a luz era má e o Kurt Cobain, sempre na mesma posição, praticamente não olhou em frente, escondendo a cara por detrás do cabelo", recordou em 2019 Rita Carmo, fotojornalista da BLITZ. "Toda a gente falava do facto de ele estar cheio de drogas e já estávamos à espera que não tivesse grande empatia com o público", acrescenta. Apenas "sete ou oito fotógrafos" terão registado o concerto dos Nirvana em Cascais, e muitas destas imagens, então sem suporte digital, terão acabado por desaparecer. Em 1995, algumas das fotografias tiradas por Rita Carmo foram publicadas no livro sobre os Nirvana e Kurt Cobain, escrito por Ana Cristina Ferrão e lançado pela editora Assírio e Alvim.

Também Gabriela Carrilho, o elo de ligação entre a promotora o agente dos Nirvana, recordou o espetáculo em declarações à BLITZ, em 2011, destacando as más condições do Dramático de Cascais. "Tinha um som horroroso. Parecia que estavam a tocar dentro de uma panela de pressão. Na minha modesta opinião, o concerto não foi grande coisa. O Kurt Cobain continuava igual a si mesmo, de tal forma que quando morreu, pouco depois, fiquei chocada mas não surpreendida. A única coisa que ele me perguntou quando esteve cá foi: onde é que podemos ir aqui, à noite, onde haja droga?".

Cristina Espírito Santo, da editora BMG, falou à BLITZ, também em 2011, sobre o concerto, recordando momentos de bastidores. "Durante a tarde estivemos lá a falar um pouco com eles. O Kurt Cobain estava deitado, até de costas para nós, quando entrámos cumprimentou-nos, disse 'olá, tudo bem?', mas estava extremamente apático. Tornou a voltar-se para o outro lado e continuou a dormir. Tivemos aquelas conversas que se costumam ter sobre Portugal. Disseram que estavam a gostar muito e agradeceram por serem tão populares em Portugal. Aquelas conversas chavão. Mas estavam extremamente felizes, excetuando o Cobain, que estava muito apático". A reportagem de António Freitas nas páginas do então jornal BLITZ dava conta de um espetáculo que deixou a audiência convencida: "Para trás ficou um público maravilhado e absolutamente rendido à simplicidade do trio que transformou o punk".

Alinhamento do concerto

Radio Friendly Unit Shifter
Drain You
Breed
Serve the Servants
Come as You Are
Smells Like Teen Spirit
Sliver
Dumb
In Bloom
About a Girl
Lithium
Pennyroyal Tea
School
Polly
Very Ape
Sappy
Rape Me
Territorial Pissings


Encore:
Jesus Doesn't Want Me for a Sunbeam (The Vaselines)
The Man Who Sold the World (David Bowie)
All Apologies
On a Plain
Scentless Apprentice
Heart-Shaped Box
Blew

Publicado originalmente na BLITZ em fevereiro de 2019, com depoimentos recolhidos para um trabalho publicado na revista BLITZ em 2011

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: MRVieira@blitz.impresa.pt

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