Quando os Alvvays surgiram, há cerca de dez anos, já se percebia que a intenção era honrar uma tradição jangle-pop com mais história no Reino Unido do que no Canadá natal da banda. ‘Archie, Marry Me’, o primeiro single do debutante álbum homónimo, mostrava ao que vinham Molly Rankin e companheiros: uma indie pop acima de ‘twee’, mas sem vergonha de ser sensível, sem pudor também nas virtualidades ‘jangly’ das guitarras, temáticas de agruras do coração, da vida nos vintes a caminho dos trintas, numa espécie de versão transatlântica dos Camera Obscura, a melhor banda de Glasgow depois dos Belle & Sebastian.
“Antisocialites”, em 2017, abriu o espectro. Os teclados começaram a incutir uma nostalgia de uns 80s sonhadores, nomeadamente em ‘Dreams Tonite’, uma balada sensacional, ainda que a verve jangly, muito C86 circa The Primitives, se mantivesse. Aliás, na panóplia de referências de Rankin estão os Smiths e os Teenage Fanclub, confirmando que é nas ilhas britânicas que a paternidade desta música se localiza. “Blue Rev”, lançado no ano passado, acrescenta um ingrediente de melancolia à habitual hiperatividade elétrica, tornando a banda muito mais torneada, capaz de visitar e deixar-se ficar em ambientes menos provisórios, encontrando algum caos com inesperada claridade.
No Parque da Cidade do Porto, sol, chuva e um arco-íris redentor foram ‘convidados especiais’ de um concerto em que o grupo soou muito mais definido e empenhado do que em 2019, no festival de Paredes de Coura. A maior parte do tempo a enfrentar aguaceiros de mira imprevisível, impulsionados por um vento temperamental, o público do palco Super Bock mostrou saber de cor o repertório mais sonante da banda ('Archie, Marry Me' soou a ‘hit’), reagindo com fervor a uma música que sabe bem ouvir de olhos fechados e, arrisca-se, até com alguns pinguinhos de chuva na face. Num registo de grande festival, em que alguns concertos existem apenas para preencher vagas (infelizmente, a pouca atenção dada a Gaz Coombes, pouco depois, fez refrear os ânimos), sabe bem passar uma hora assim.
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