Primavera Sound Porto: no mundo dos Pet Shop Boys, a música toca para sempre. A história de um concerto épico e comovente
Pet Shop Boys no Primavera Sound Porto
Hugo Lima/Primavera Sound Porto
Num concerto dos Pet Shop Boys nada é deixado ao acaso – nem a duração, cumprida ao minuto. Neil Tennant e Chris Lowe trouxeram ao Primavera Sound Porto uma ópera pop sofisticada e uma lição de história: a sua. Nostalgia, dança, memória e ritmo nas veias, tudo misturado como num sonho
Parece estranho que os Pet Shop Boys, do alto dos seus 42 anos de carreira, só tenham passado duas vezes por Portugal. A primeira, em 2004, ocorreu numa circunstância peculiar: a inauguração de um espaço comercial em Alcochete; a segunda, mais convencional, registou-se no festival Super Bock Super Rock, no Meco, já lá vão treze anos.
Expoentes do synth-pop britânico, juntaram-se pelo gosto partilhado pelos OMD e Soft Cell e, não estranhamente, a sua música começa por refletir essas vivências do início dos anos 80 na Grã-Bretanha. Desde então, as geografias estéticas de Neil Tennant e Chris Lowe derivaram, tendo passado por Nova Iorque e até o Brasil, mas Londres (nomeadamente o West End da capital inglesa) nunca saiu do âmago da dupla. Não é de estranhar que nesta ‘viagem’ de 96 minutos se tenha começado por ‘Suburbia’, do primeiro álbum ("Please", de 1986) e, no regresso para o encore, e replicando o mesmo ambiente, as projeções de palco tenham operado um ‘rebobinar’ até ao início, para se ouvir, perante aplausos ruidosos, ‘West End Girls’, o single com que a dupla se estreou em 1984. Há uma narrativa, uma história, uma intencionalidade num espetáculo em ‘continuum’ mas que também se divide em partes.
Depois de, demoradamente, se verem as cores da bandeira da Ucrânia como pano de fundo, a entrada da banda é antecedida por um momento épico que envolve, comicamente, a marcha nupcial. O cenário que se desvenda é simétrico e comedido: debaixo de candeeiros, de um lado está o vocalista Neil Tennant, vestindo um branco papal, de outro encontra-se Chris Lowe, homem-máquina, ambos com ‘máscaras de combate’. Onde os subúrbios encontram a utopia, canta Tennant, no seu registo nasalado que o tempo não triturou. Nos ecrãs que ladeiam o palco, a simetria é respeitada. Por momentos pensamos que ‘isto’ vai ser sempre assim, minimalista, a economia de um espetáculo de sexagenários (Tennant quase nos 70), mas enganamo-nos.
Hugo Lima/Primavera Sound Porto
Alguns minutos depois, as máscaras ‘caem’, um sorridente Neil Tennant saúda o Porto e deixa as primeiras palavras a um público que nos parece menos numeroso do que nos dias anteriores, num espaço muito mais seco do que na véspera, intempérie aparentemente ultrapassada. “Olá Porto. Bem-vindos ao nosso mundo de sonho onde a música toca para sempre e as ruas não têm nome”, ponte perfeita para ‘Where The Streets Have No Name (I Can't Take My Eyes Off You)', momento de cantoria coletiva. O vocalista percorre os dois lados do palco, termina agarrado ao candeeiro de Lowe. Nesta fase do espetáculo apresentam-se ainda ‘Rent’, com imagens de 1987, e ‘So Hard’, um daqueles momentos em que os Pet Shop Boys se assemelham a uns ABBA ‘sob o efeito’ de hi-nrg.
Desvenda-se, então, uma banda de três elementos, um apoio que, daí para a frente, tornará o som mais denso com percussão constante, teclados adicionais, guitarra (discreta) quando necessário. Lowe está agora numa cabine de DJ, já com o seu boné característico, Tennant despe a vestimenta, mostrando agora fato de gala, as projeções expandem-se, tudo se torna maior. ‘Left to My Own Devices’ e ‘Domino Dancing’ (ambas de ‘Introspective’, de 1988) ouvem-se em sequência. Mudamos então para uma ‘fase cromática’: há auroras boreais em tons de azul e violeta com Tennant na penumbra em ‘Love Comes Quickly’, amarelos intensos em ‘Paninaro’. Quando chegamos a ‘You Were Always on My Mind' estamos perante um concerto de ‘banda’, e o público retribui a generosidade ‘orgânica’, ainda que programada com rigor.
Já com um fato prateado, Neil Tennant anuncia uma “rave song for all the ravers out there” em forma de ‘It’s Alright', e não demoramos muito até que ‘Go West’, a versão de Village People que foi êxito maior em 1993, ponha o Parque da Cidade do Porto a alinhar em coro. Antes do encore, a primeira ‘despedida’ é marcante: ‘It’s a Sin', o primeiro single de “Actually” (1987) é uma viagem no tempo plena de nostalgia, o fundo de palco em tons de vermelho-pecado, canção-maior interpretada com vigor.
Num espetáculo épico, espécie de ópera pop ou sinfonia synth medida ao minuto, há espaço para a comoção: as últimas palavras saídas da boca de Neil Tennant no final de ‘Being Boring’, o derradeiro tema do alinhamento, são estas: “You could always rely on a friend”. Não é preciso muito mais.