Quando recebeu a primeira música que viria a integrar o disco “Chico”, lançado em 2011, Chico Buarque estava a braços com “Leite Derramado”, o mais recente dos seus quatro romances, lançado em 2009. Quem lhe enviou a canção foi Ivan Lins, e a melodia daquela que viria a transformar-se no samba ‘Sou Eu’ agradou tanto ao cantor que o recado que seguiu para o autor foi: “Ivan, segura que essa letra é minha”. O episódio é contado pelo próprio Chico Buarque, citado pelo jornal “Público”. Na mesma ocasião, o carioca explica que, depois de acabar e editar “Leite Derramado”, mais tarde premiado no Brasil e em Portugal, decidiu dar “um jeitinho” na canção e assim retomar a via da música. Chico não se considera um escritor amador, mas gosta que pensem nele dessa maneira ("Assim quando volto à escrita tenho de pegar a mão outra vez"), e nos últimos anos vem alternando os períodos dedicados à escrita - além de “Leite Derramado”, escreveu “Benjamim”, “Estorvo” e “Budapeste” - com a composição e gravação de música. O escape das letras sem som é-lhe absolutamente necessário e assenta-lhe lindamente nesta fase da vida. Em entrevista ao “Correio Braziliense”, em 1999, reconhecia: “Sou hoje um músico mais completo, um compositor mais exigente que há 30 anos, menos prolixo e mais apurado. Em compensação, com o tempo você perde em fluência, em espontaneidade”. Sobre o espaçamento de cinco ou mais anos entre cada disco recente ("Pior que Copa do Mundo!", admite o fã de futebol), o homem de ‘Construção’ reflete, ao site “Geneton”: “Talvez a música popular seja uma arte de juventude. Imagino que seja, porque o consumidor de música popular é, sobretudo, o adolescente, o jovem de 20 a 30 anos. Já o autor de música popular tende a ser mais seletivo com o tempo (...). Você fica mais exigente”, garante. “Chega um tempo em que a gente começa a fazer música popular com o resto da juventude que tem. Depois, o melhor a fazer talvez seja imitar Dorival Caymmi que se recolheu aos seus pincéis e suas tintas. Talvez seja melhor procurar outro afazer, outra ocupação”, confessa, confirmando que a literatura é a sua “alternativa”, e que quando escreve dá toda a importância à musicalidade das palavras. Mais de 10 anos depois de algumas destas declarações, contudo, Chico ainda compõe. E, confirma-se, valoriza mais a qualidade do que a quantidade. Depois da pista dada por Ivan Lins para ‘Sou Eu’, Chico escreveu ‘Nina’, a que se refere como uma “valsa russa”, e a partir daí uma música “foi puxando a outra”, como contou na entrevista padrão que cedeu à imprensa. “Já estava conformado com a ideia de lançar um disco de nove músicas. Paciência, ia ser como o Almanaque [de 1981]. Mas, quando [os] Radiohead [fizeram] um disco só com oito faixas, eu pensei: ‘Bom, tá sobrando!’”. Foi aí que surgiu a décima canção, ‘Querido Diário’, curiosamente a escolhida para abrir “Chico”.
Artigo Exclusivo para assinantes
Assine já por apenas 1,63€ por semana.
Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: LIPereira@blitz.impresa.pt
Assine e junte-se ao novo fórum de comentários
Conheça a opinião de outros assinantes do Expresso e as respostas dos nossos jornalistas. Exclusivo para assinantes