Publicado originalmente a 9 de junho de 2022
No início da década, Sky Ferreira era uma muito interessante aspirante a estrela pop alternativa. Tinha um punhado de boas canções - a panorâmica 'Everything Is Embarassing' à cabeça -, uma atitude de diva relutante, revivalista da estética 'heroin chic' dos 90s temerários, inculcando fibra rock em sonhos plásticos com a nostalgia 80s no horizonte.
"Night Time, My Time", o álbum de estreia, mostrava uma fusão personalizada entre hinos pop de placidez calculada e uma verve rock, suja, garageira, que a impedia de fazer tudo demasiado bonitinho. O glamour de uns óculos escuros e pose blasé enquanto se canta matéria do coração partido. Nada de novo, mas sempre excitante. Depois, Sky 'calou-se', praticamente.
A californiana de 29 anos chega ao Porto duplamente 'enferrujada': o sucessor do seu primeiro álbum (já lá vão 9 anos!) tarda em sair, adiado frequentemente por desventuras e mudanças de apetite nem sempre bem explicadas (tem, há anos, o título provisório de "Masochism"...) e nem a carreira como atriz descolou verdadeiramente (apenas dois papéis desde 2018, em filmes ainda por estrear); em palco, o último concerto de que há registo data de julho de 2019, tendo já na altura interrompido um hiato de ano e meio.
20 minutos de atraso num concerto cuja duração não poderia ultrapassar os 50 seria, só por si, dano suficiente, mas Ferreira e uma banda inócua que mais não fez do que ampliar, em tempero de formação rock, instrumentais pré-gravados (a base da música de Ferreira assenta em sintetizadores, não presentes ao vivo) mostraram um desligamento tão grande que nem a voz da artista (um timbre que evoca uma Madonna mais refinada, com mais alcance, com maior espessura emocional) conseguiu salvar.
Perante uma plateia não exageradamente populosa (a hora era propícia para um jantar pré-concerto de Nick Cave), Sky entra em palco sem pompa, tossindo, atira um 'olá' baço e dá início, titubeantemente, a uma 'Boys' onde, desde logo, se percebe que a falta de rotina é um problema.
Entre as canções há pausas demoradas, como se ninguém ali soubesse bem o que fazer a seguir, hesitações talvez justificadas pelo encurtamento forçado de um alinhamento onde o maior cartão de visitas de Ferreira (a já referida 'Everything Is Embarassing', canção que seria capaz de funcionar como redenção) fica de fora. Presenciamos uma sequência parca de 6 canções desalmadas, com uma banda em piloto-automático e uma cantora tantas vezes meritória (viu-se, por exemplo, em '24 Hours') perdida num filme de enganos.
Em estreia ouviu-se 'Don't Forget' e 'Innocent Kind' (que, neste registo limitado não conseguiram provar nada), mas a pop grungy descarnada de 'Nobody Asked Me (If I Was OK)' fica na retina pelos piores motivos: Sky Ferreira parece não saber de onde veio nem para onde vai. O concerto acaba previsivelmente de forma abrupta: o tempo previsto tinha chegado ao fim e, ali ao lado, Nick Cave e os seus Bad Seeds entravam, paulatinamente em palco, para se atirarem a feitos maiores.
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