Depois das reuniões de 1998 e de 2005, o ano de 2019 ficou marcado por um novo regresso dos Bauhaus ao ativo, até se ter metido pelo meio uma pandemia que os obrigou, e aos fãs, a refrear ligeiramente os ânimos.
"Ligeiramente", porque ainda a tarde corria e já alguns desses mesmos fãs se colocavam no pórtico de entrada, à espera de poder correr para junto do palco, lugar onde permaneceriam durante largas horas, aguardando a madrugada em que os Bauhaus pisariam um palco português pela sexta vez na sua carreira. Os anos 80 e os penteados espampanantes ficaram para trás. Peter Murphy, outrora príncipe do gótico, ostenta hoje um magnífico ar régio, de cabeça rapada e bastão na mão, que tanto lhe serviu de equilíbrio como de batuta.
Os alinhamentos dos seus concertos mais recentes deixavam antever que este concerto dos Bauhaus no EDP Vilar de Mouros teria tudo para ficar na memória, e aquilo a que se assistiu em palco confirmou-o. Mesmo que os seus rostos estejam mais envelhecidos, a música dos britânicos continua a ter uma força notável. Aliás, parece ter sido atacada pela maldição de Benjamin Button: quanto mais anos passam, mais jovem e fresca soa. A culpa é daquele baixo dub, garbosamente tateado por David J. Acrescentam-se-lhe uma bateria dançável, guitarras poderosas e alguns teclados, e várias mãos cheias de canções. 'Double Dare', tocada sob um jogo de luzes impróprio para epilépticos, foi a primeira original dos Bauhaus a dar ares de sua graça, já depois de uma versão de 'Rosegarden Funeral of Sores', de John Cale.
Qualquer fã mais fervoroso dirá que ficaram de fora temas como 'Dancing', 'Who Killed Mr. Moonlight' ou 'All We Ever Wanted Was Everything'. Terão razão, mas convenhamos que não dá para se tocar tudo e a vida é feita de escolhas, por mais que se ore aos deuses pela aparição da nossa favorita. Além do mais, a cavalo dado não se olha o dente: ficaram essas três canções extraordinárias de fora, mas houve dezassete outras canções extraordinárias. Como 'In the Flat Field', o ruído da guitarra a conferir o terror necessário, 'God In An Alcove', com Murphy a erguer nas mãos uma (sua?) coroa, ou 'She's In Parties', mini-sucesso que termina com o sempre interessante duelo entre o baixo e a melódica.
Mal começou o ritmo de 'Bela Lugosi's Dead', procurando chamar esse influente Drácula uma vez mais ao mundo dos vivos, foi impossível não deixar dançar os pés ou não soltar um grito estridente de entusiasmo. O mesmo grito ganharia outra forma em 'The Passion of Lovers': a do refrão. O baixo descendo a escada de 'Stigmata Martyr' e a muito apreciada 'Dark Entries' deram por terminada a nova incursão dos Bauhaus a Portugal, até surgir um encore com uma original, 'Adrenalin', e três versões: 'Sister Midnight', de Iggy Pop (dedicada ao "padrinho do punk" por David J, que garantiu que o primeiro lhe curou uma lesão na mão com um simples beijo), 'Telegram Sam', dos T. Rex e 'Ziggy Stardust', de David Bowie, final perfeito para um festival que contou, e muito, com o espírito do falecido camaleão: Gary Numan copiou-o, os Placebo tocaram com ele, Iggy Pop fez os seus melhores discos a solo na sua companhia, os Simple Minds foram buscar-lhe o nome.
Quanto aos Bauhaus, despediram-se com um simples "obrigado" e maravilharam os que tiveram o prazer de os testemunhar. Será que, desta vez, o regresso é para sempre?
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