A aposta, não sendo arriscada para um festival que já os recebeu (em 2017), é forte: jazz instrumental em horário noturno no palco principal de um festival que, há muitos anos acolhendo o jazz (na relva do seu campismo), costuma rockar mais por estas horas.
Vendo o seu concerto antecipado para o segundo dia do Vodafone Paredes de Coura 2022, os canadianos BadBadNotGood mostraram por que razão são, há praticamente uma década, porta-estandartes do jazz psicadélico/free/nu - o que lhe quiserem chamar.
Os seus concertos, como este em pleno agosto português, são um vaivém de experiências umas vezes circulares (como quando rotinas já experimentadas regressam dez minutos depois, para arredondar todas as pontas soltas), outras rumo a parte incerta. Municiados por guiadores variáveis - umas vezes a bateria (Alexander Sowinski), avassaladora, dita as leis; mais frequentemente é o saxofone (Leland White) a traçar o caminho; não tantas, os teclados (Felix Fox) em rendilhados estimulantes, sempre com o suporte do baixo (Chester Hansen) - o concerto dos BadBadNotGood ganha outras dimensões quando a atenção dada à configuração dos músicos em palco (na penumbra) se desvia para as imagens de Super 8 saturadas, desfocadas e evocativas de paisagens citadinas, montanhosas ou aquáticas.
À nossa volta vemos copos de vinho nas mãos de alguns festivaleiros - não é o suposto requinte do jazz a pintar o hábito, o néctar de Baco é mesmo a companhia ideal para algo que começa a ser servido demoradamente para, mais perto do fim, descambar (positivamente) num free jazz onde a guitarra desenha as abstrações que bem entende.
A música não é banda-sonora, nem o filme projetado é acompanhamento visual. Tudo se funde como numa espécie de cinema para todo o corpo. A música embala (e desafia) a imaginação; as imagens completam a música no cérebro de cada um. No final, ouve-se um prolongado aplauso. Este jazz só faz bem.
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