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Em noite de (outras) aventuras em Algés, houve uma espécie de Radiohead no Coliseu. Mas The Smile é “uma nova banda”, diz Thom Yorke

The Smile ao vivo no Coliseu de Lisboa, 8 de julho de 2022
The Smile ao vivo no Coliseu de Lisboa, 8 de julho de 2022
Youtube noise_jam

A nova banda dos dois membros mais prolíficos dos Radiohead – Thom Yorke e Jonny Greenwood – esteve em Lisboa para apresentar o disco “A Light for Attracting Attention”, e as luzes de um Coliseu de Lisboa cheio deram-lhe toda a atenção que merecia. As comparações com o grupo de ‘Creep’ são inevitáveis e até úteis, mas os Smile mostraram que são algo mais: um ‘power-trio’ de pleno direito, por exemplo

Em noite de (outras) aventuras em Algés, houve uma espécie de Radiohead no Coliseu. Mas The Smile é “uma nova banda”, diz Thom Yorke

Tiago Soares

Jornalista

São necessários apenas uns segundos do piano desconcertante de Thom Yorke em 'Pana-Vision' para perceber que a sala escura do Coliseu de Lisboa é o cenário ideal para as luzes atrativas dos The Smile: “Feels good, feels right”, canta Yorke no refrão, já depois de uma entrada triunfante do baixo pujante de Jonny Greenwood e da bateria solta de Tom Skinner.

Segue-se 'Thin Thing', e Greenwood volta a estar na sua praia de sempre: no centro do palco, lidera a canção com uma guitarra progressivamente mais suja e desarticulada, a fazer lembrar em alguns momentos 'Identikit', um dos pontos altos do último trabalho em estúdio da banda-mãe, “A Moon Shaped Pool.” No final, Yorke parece aprovar o som e a reação do público, e solta o primeiro “obrigado” da noite.

Esta dinâmica – músicas assentes ora em guitarras afiadas, ora em teclados íntimos – pautou todo o concerto e convenceu o público desde o início. Os cinco membros de Radiohead já fizeram muita música fora da 'primeira casa', mas “A Light for Attracting Attention” é o disco que melhor retém e expande essa ligação umbilical. Por um lado, porque estão lá texturas praticamente invisíveis cujo propósito é subir o nível dos arranjos, tarefa normalmente a cargo da guitarra de Ed O’Brien e dos seus pedais de efeitos.

Por outro, porque a técnica ‘jazzística’ de Tom Skinner na bateria acrescenta novidade, e porque mesmo aparentes truques repetidos acabam a desaguar em experimentalismo algures entre o noise e pós-rock, terrenos pelos quais os Radiohead não costumam entrar: na balada acústica de 'Free in the Knowledge', por exemplo, Greenwood toca baixo com um arco de violino, à semelhança do que faz na guitarra inicial de 'Pyramid Song', um clássico de Amnesiac (2001).

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Vários instrumentos foram dançando pelas mãos de Thom Yorke e Jonny Greenwood ao longo do concerto (guitarras, baixos, um piano acústico, sintetizadores), e até Tom Skinner abandonou as baquetas e se aventurou no sintetizador analógico em pelo menos duas ocasiões. No fundo, o desfile de canções mostrou que os três músicos têm já experiência suficiente para ir montando e desmontando as peças de um puzzle cuja imagem já sabem ser nítida – independentemente da ordem em que essas peças são colocadas.

Em 'The Smoke', o segundo single do álbum, Thom Yorke ofereceu a linha de baixo com uma mestria técnica que nem os seus fãs mais acérrimos estariam à espera. “It's easy/ Don't mess with me/ Don't mess with me/ As I die in the flames/ As I set myself on fire”, vai ameaçando o vocalista, preparando o público para o caos da música seguinte: Robert Stillman, o saxofonista que assegurou a primeira parte do espetáculo, entra pela segunda vez em palco para aumentar o volume de um final de concerto tremendo.

Os The Smile trabalharam durante o confinamento pandémico e deram o primeiro concerto (isolado) no final de janeiro deste ano: seis meses depois e numa tour europeia que passou por cerca de 20 cidades antes de chegar a Lisboa, as músicas de “A Light for Attracting Attention” ainda soam a novo, a criatividade sente-se, não são trabalhos acabados – como aliás acontece com a esmagadora maioria das músicas de Radiohead, à medida que a banda de Oxford as vai recuperando ao vivo ao longo dos anos.

'The Same', a primeira canção do disco e uma das mais bem conseguidas, ficou guardada para um encore que o público exigiu: quando Thom Yorke e companhia saíram do palco pela primeira vez, ouviram-se pés a bater no chão e uivos a chamar os artistas de volta. Aqui chegados, a guitarra tensa e elegante de Greenwood (mais uma vez, as comparações com os compassos de 'Identikit' são inevitáveis) começou uma fase de ascensão, cujo auge haveria de chegar apenas no final do espetáculo – com o que pareceram momentos de improviso à mistura.

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No total, a setlist teve 17 músicas. No encore do encore, Thom Yorke aproxima-se do microfone para falar: agradece às pessoas por terem “aparecido” para ouvir um conjunto de canções que (ainda) não são “conhecidas”. “We are a new band”, “Nós somos uma nova banda”, acrescenta, e o público parece comprar a tese – apesar da familiaridade com alguns dos ‘hinos’ recentes do álbum ter sido evidente.

“They are smiling so I guess I’ll stay”, canta alguns segundos depois Yorke durante o verso de “A Friend of a Friend (People on balconies)”, uma das várias canções que não encontraram espaço no disco editado em maio – mas que foram mais do que capazes de acabar a noite do Coliseu com um sorriso.

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