O historial em terras nacionais dos norte-americanos Strokes, artífices do melhor rock/new wave empertigado do início do século XXI (com White Stripes e Black Rebel Motorcycle Club, à altura, a preencherem outras cores do espectro), não é famoso. Não só porque é escasso (dois concertos apenas, em 2006 e 2011) mas também porque em nenhuma dessas vindas a Portugal a memória guardou recordações empolgantes.
O 'problema' não é excusivamente 'nosso': não é de hoje que os Strokes não são uma grande banda ao vivo; nos primeiros dois/três álbuns foram uma grande banda de estúdio, isso sim, mas mesmo nessa altura a transposição para o palco era blasé, senão algo titubeante. Saía-se de um concerto de Julian Casablancas, Nikolai Fraiture, Albert Hammond Jr., Fabrizio Moretti e Nick Valensi com a vontade de chegar a casa e ouvir "Is This It" (o perfeito álbum de estreia), "Room on Fire" (o muito bom sucessor) e, vá lá, "First Impressions on Earth" (o muito aceitável terceiro).
A solo ou com os Voidz, o vocalista Casablancas foi responsável por alguns descalabros em palco (recordamos, à cabeça, dois Super Bock Super Rock, um no Meco e outro em Lisboa, separados por muitos anos), não tendo, também ele, um cadastro exemplar por cá. Recentemente, uma pouco conseguida atuação no festival dinamarquês de Roskilde levantou preocupações: em que estado de conservação regressariam os Strokes agora a Portugal?
O atraso de 18 minutos não concorreu para uma visão otimista, mas também é certo que talvez tenha 'baixado' um pouco a parada: afinal, a banda apareceu e começou logo com 'Is This It', eco de 2001 que colocou emoção logo na grelha de partida (à frente do palco, o Ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, não terá desgostado).
Casablancas surge com o camuflado da caça que tem vestido em tempos recentes e os óculos de sol, de que só se livra muito mais adiante. O logótipo "Strokes" bem presente no fundo de palco e os restantes músicos ocupam posições que não mais abandonariam. Desde logo se destaca o duo de guitarras (Valensi e Hammond Jr.), tecelões dos riffs e solos ultra comestíveis que fizeram dos Strokes máquinas de concisão rock no arranque do milénio. Também desde logo se evidencia que Casablancas está singularmente bem-disposto, mas num registo vagamente displicente e/ou nonchalant (dependendo das ocasiões), parecendo-nos que, a dado momento, se confessa algo ébrio ("drunk again", a expressão). Também não é novidade: é só rock and roll e a gente gosta.
Num espetáculo onde as pausas entre canções foram, porventura, algo demoradas para que se conseguisse aquele efeito de perfeito concerto-comprimido - Casablancas esteve falador, ainda que por vezes algo balbuciante -, notou-se também muito bem quais são os Strokes que interessam: não são os de 'The Adults Are Talking' ou 'Selfless', mas os de 'New York City Cops', 'Hard to Explain', 'Reptilia', 'Someday', 'What Ever Happened' ou 'You Only Live Once', todos eles momentos a que o público correspondeu com maior fervor, ainda que não tenha sido decididamente dia de enchente. Do repertório mais recente, talvez 'Bad Decisions', com o seu riff de guitarra muito indie britânico dos anos 80, consiga ombrear com as glórias do passado.
Casablancas, mestre de cerimónias relutante, mostrou vontade de comunicar: umas vezes fê-lo com ironia, recorrendo aos clichés de 'crowdpleaser' ("vocês são tão bonitos, isto é tão bonito"), outras em 'private jokes', cedendo o microfone aos companheiros (mais vezes a Hammond Jr., mas até o recatado Fraiture teve direito a falar à multidão), mostrando ainda saber que Clairo havia cancelado o seu concerto no Alive devido a problemas com o voo (houve até um bocadinho de 'Sofia', canção da lavra da jovem cantora e compositora norte-americana). Acabou até por dizer "não vou falar mais", como que reconhecendo a sua veia mais 'solta' nesta noite, mas não cumpriu.
Ao cabo de rigorosos 59 minutos, a banda saiu de palco para voltar para um encore de três canções que terminou algo estranhamente com 'Juicebox', tema menos dado a um 'grand finale' do que - nem é preciso pensar muito - 'Last Nite', o êxito que ficou de fora. Talvez brincando com a desfeita, talvez mera coincidência, mal o quinteto disse adeus à plateia 'rebentou' no sistema de som 'Summer Night City', dos ABBA. É a noite de hoje - e esta é de verão na cidade - e não a de ontem que mais interessa: talvez seja essa a mensagem.