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NOS Alive: é um milagre, é o rock, são os Fontaines D.C. na sua primeira noite portuguesa

Na sua primeira visita a Portugal, os Fontaines D.C. deram um concerto intenso, no qual a raiva latente dos discos explodiu sem qualquer piedade pelos tímpanos dos fãs de todas as idades

NOS Alive: é um milagre, é o rock, são os Fontaines D.C. na sua primeira noite portuguesa

Lia Pereira

Jornalista

NOS Alive: é um milagre, é o rock, são os Fontaines D.C. na sua primeira noite portuguesa

Rita Carmo

Fotojornalista

São 21h33 quando a música ambiente se cala e os Fontaines D.C. entram pela primeira vez num palco português, sem esconderem as suas intenções de conquista. Ovacionados por uma tenda sedenta de comunhão, os cinco de Dublin ocupam as suas posições com discreta confiança, enquanto Grian Chatten, vocalista e frontman tão convincente como aparentemente desengonçado, espeta o suporte do microfone no palco. Sem grandes palavras, tendência que se manterá ao longo da noite, levanta os braços de forma brusca, ordenando ao povo que se entregue - algo que já estava, quer-nos parecer, garantido à porta. O clima é de efervescência, sentindo-se no ar que este é um daqueles concertos que ficará gravado nas memórias humanas, e não apenas nas dos telemóveis. E, apesar de alguma oscilação na intensidade, própria dos jovens amantes, assim foi a noite dos Fontaines D.C. no NOS Alive.

Nos melhores momentos, como na entrada ao som de 'A Lucid Dream', do segundo álbum da banda, "A Hero's Death", de 2020, os irlandeses conseguem a proeza de pôr o público a acompanhar um tema essencialmente pós-punk com cânticos de um entusiasmo que não destoaria num estádio de futebol. Na hora mágica do primeiro encontro, banda e fãs são um só corpo, abençoado pela cerveja que chove nesta noite escaldante. É um milagre, é o rock, são os Fontaines D.C. e já não nos lembramos da nossa vida antes de os vermos em concerto pela primeira vez.

O ritmo segue acelerado, apesar de algumas pausas dilatadas entre canções, e encontra novos picos de intensidade com o regresso ao primeiro álbum, "Dogrel", de 2019, através de 'Sha Sha Sha', e a primeira incursão no mais recente "Skinty Fia", à boleia de 'Roman Holiday'. Antecipando a trovoada de 'Hurricane Laughter', eletricidade pura desabando sobre o palco Heineken, Grian Chatten caminha em círculos mal desenhados, como uma pequena fera enjaulada. O que em disco é raiva latente, ao vivo explode, e a energia passa para o público que, mesmo nos intervalos entre canções, não preenchidos pelo vocalista com conversa de circunstância, se faz sentir e ouvir, num misto de impaciência e excitação.

Sem piedade pelos tímpanos dos residentes das freguesias mais próximas, os Fontaines D.C. apoiam-se em Grian Chatten - mais do que um cantor exímio, um dínamo da plateia & um narrador de belíssimas histórias - para viajarem pelos seus idiomas prediletos, do pós-punk de 'Televised Mind' ao rock quase gótico de 'Nabokov', letra cuspida no microfone enquanto, ao nosso lado, uma senhora se abana com um leque. É curiosa, de resto, a presença de vários pais com filhos pequenos, por vezes às cavalitas, no concerto de uma banda cujos membros ainda estão longe dos 30 anos. Quando a canção da sereia dos Strokes já atrai para o palco principal aqueles que querem guardar lugar para as guitarras de Valensi & Hammond, esgueiramo-nos para a frente do palco e vemos um menino, não mais de 10 anos, envergando uma t-shirt dos Nirvana e dançando freneticamente ao som de 'Boys in the Better Land', um dos primeiros singles dos Fontaines D.C. Ao seu lado, o pai sorri com orgulho, numa passagem de testemunho que nos pareceu comum neste serão.

Sem dirigir palavra ao público, além de uns económicos "cheers" e obrigados, Grian Chatten deixa a música falar por si. E a música dos Fontaines D.C. fala de raiva e desespero, frustração e melancolia, amor e ódio. Tudo faces da mesma moeda humana e tudo preces da única igreja onde letras como as de 'A Hero's Death' ("Life ain't always empty/Don't get stuck in the past/Say your favorite things at mass") são cantadas com uma alegria praticamente religiosa. Na 'missa' dos estreantes em Portugal couberam ainda 'Jackie Down The Line', single inaugural do novo álbum, algo reminiscente da sonoridade do primeiro, e a despedida com 'I Love You', um autêntico épico com carimbo de 2022. Mais político do que amoroso (será a pouca canção de título romântico a falar de corrupção e genocídio), coloca um ponto de exclamação num concerto que termina de forma algo abrupta, sem despedidas ternurentas ou juras de amor eternas, mas com a certeza de que algo foi semeado, aqui esta noite.

Eram 21h33 quando a história dos Fontaines D.C. em Portugal se começou a escrever e, como diriam os próprios em 'A Lucid Dream', "I was there". Vamos lembrar-nos desta noite quando, à semelhança dos Idles, que há três anos também fizeram tremer este palco, estes miúdos regressarem para voos mais altos.

Alinhamento:

A Lucid Dream
Sha Sha Sha
Roman Holiday
Hurricane Laughter
Chequelss Reckless
Televised Mind
Nabokov
Big Shot
Too Real
I Don't Belong
A Hero's Death
Jackie Down the Line
Boys in the Better Land
I Love You

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: LIPereira@blitz.impresa.pt

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