Ao contrário do senhor que os antecedeu no Palco Mundo, Liam Gallagher, os norte-americanos The National conhecem bem os cantos à casa que é, para eles, Portugal, tendo atuado por cá 18 (!) vezes desde a estreia em Paredes de Coura nessa outra vida que era 2005. Desde então, tudo mudou: mudámos nós, mudou a banda, mudou o mundo. Em 2005, Matt Berninger, o frontman titubeante da banda nascida no Ohio, não desfilaria certamente pela passadeira que sai do palco para provocar amigavelmente o público, nem a banda que, mais de 20 anos depois da formação, continua a contar com os gémeos Aaron e Bryce Dessner e os irmãos Scott e Bryan Devendorf, atuaria em festivais desta dimensão. Os autores de "Alligator", álbum que há 17 anos trouxeram a Paredes de Coura, cresceram, naturalmente, em alcance e desenvoltura em palco: logo no álbum que se seguiu, o muito estimado "Boxer", de 2007, e nos quatro longa-duração editados desde então. Mas não cresceram o suficiente, em reconhecimento popular, para 'encherem' um palco imponente como aquele onde, esta noite, se apresentaram antes dos cabeças de cartaz Muse. O que não significa que a sua estreia neste festival não tenha corrido surpreendentemente bem.
Ladeado pelas guitarras cristalinas dos manos Dessner, Matt Berninger continua a ser, apesar de todos os seus esforços em contrário, um vocalista atípico. Como todos os tímidos, recorre a uma data de truques (os gestos estranhos, os acessos de emoção) para sobreviver num mundo de extrovertidos, e esta receita peculiar parece conquistar a plateia. Na frente do palco, tal como aconteceu com Liam Gallagher, concentravam-se (e manifestavam-se) os maiores fãs; na imensa plateia, a curiosidade aparentava ser a nota geral. O público do Rock in Rio Lisboa, que os deuses dos festivais assim o conservem, quer fazer a festa — perdão, quer ser a festa, pelo que não se cansou de mostrar o seu apoio aos The National, batendo palmas nas canções mais rock ou acendendo os telemóveis em baladas como 'I Need My Girl' ou 'Light Years', a única representante do mais recente "I Am Easy To Find" (2019). Nesta última, os ecrãs gigantes devolveram a imagem de um Matt Berninger emocionado com o carinho do público a perder a vista. Foi como se, apesar de serem veteranos nos palcos em Portugal, os cinco membros da realeza indie, esta noite acompanhados por vários músicos nos sopros e outros instrumentos, ainda tivessem de mostrar ao que vinham: e a apresentação foi bem sucedida.
Ao contrário do que acontece com os Xutos & Pontapés, que abriram este primeiro dia de festival e cujas canções meio mundo traz na ponta da língua, os The National nunca tiveram um grande êxito que os apresentasse às massas. Vimos quem cantarolasse 'Don't Swallow the Cap', do álbum "Trouble Will Find Me", de 2013, o mais representado no alinhamento, e 'Fake Empire', elegante ponta de lança do aclamado "Boxer", terá sido das mais aplaudidas aos primeiros segundos. Mas, uma vez mais, uma vénia ao público da Bela Vista, que incentivou a banda em 'The System Only Sleeps in Total Darkness', de "Sleep Well Beast" (2017), na delicodoce 'Pink Rabbits' ou em 'England', bem-sucedida recuperação de "High Violet", de 2010, na qual Matt Berninger efetuou uma de várias descidas de palco, conseguindo um certo efeito dramático ao passear junto às grades durante o crescendo da canção.
A adorável 'This Is The Last Time' ou a mais agitada 'Day I Die', dedicada por Matt Berninger aos "anjos" que o assustavam no slide ("E eu nem acredito em anjos"), foram outros bons momentos de um concerto onde, no fundo, a banda se apresentou a uma imensa maioria. Ao testemunharmos o crescendo final de 'Slow Show', por exemplo, com a explosão sonora a contrastar com a delicadeza de uma frase que muitos trarão tatuada na memória ("You know I dreamed about for 29 years before I saw you"), deixou-nos a pensar como será bom descobrir, em 2022, uma banda com tantas canções para trazer no bolso do coração.
Para o final, os The National guardaram um tridente que dificilmente falha: 'Fake Empire', puro ouro agora como há 15 anos, quando foi lançada; 'Mr. November', glorioso hino de "Alligator" e uma daquelas canções para levar para o outro mundo, e 'Terrible Love' que, na sua dinâmica quiet/loud, seduz o público e serve de pretexto para mais um mergulho de Matt Berninger na plateia.
No regresso ao palco, enquanto a banda desaba numa tempestade que faz jus ao título da canção, o músico de 51 anos parece acusar a idade, observa alguém ao nosso lado. Mas, enquanto o concerto durou, teve a idade — tenra, pura — de todas as estreias. Antes da primeira vez da banda no Rock in Rio Lisboa, não sabíamos qual a sua cotação junto de um público tão numeroso, mas acabámos por perceber que a bolsa de valores lhes continua a sorrir. 21 anos depois do primeiro álbum, os The National são, ainda, uma banda introvertida e umbilical, no mais poético dos sentidos, mas aprenderam a viver fora da sua pele — para sorte de todos nós.
Alinhamento:
Don't Swallow the Cap
Mistaken For Strangers
Bloodbuzz Ohio
The System Only Sleeps in Total Darkness
I Need My Girl
This Is The Last Time
Slow Show
Day I Die
Tropic Morning News (Haversham)
Light Years
Pink Rabbits
England
Graceless
Fake Empire
Mr. November
Terrible Love
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