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NOS Primavera Sound: a t-shirt dos Pavement jamais será despida. Um concerto para uma imensa minoria

Na segunda reunião dos arautos do indie rock americano dos anos 90 (os Sonic Youth que nos perdoem), tudo como dantes. Stephen Malkmus e companheiros não inventaram: tudo o que o fã queria ouvir passou pelo palco principal do festival do Porto, numa viagem ao passado glorioso que o presente não sentiu vontade de estragar. Nostalgia desenhada com uma perna às costas, satisfação garantida

NOS Primavera Sound: a t-shirt dos Pavement jamais será despida. Um concerto para uma imensa minoria

Rita Carmo

Fotojornalista

Puseram fim à banda pouco antes do início do século XXI, no preciso momento em que 'ameaçavam' tornar-se maiores. Em 2010 reuniram-se para colher frutos da fama granjeada desde então, que quando a coisa nos faz falta parece sempre mais urgente; em 2022 fazem a volta da consagração, tocando tudo como dantes, sem manchar a obra feita (olá Pixies) com o risco da novidade.

Criativamente falando (e excluindo, portanto, a principal razão pela qual as bandas se separam: a vontade de os seus músico se matarem uns aos outros), os Pavement não precisavam, realmente, de ter acabado em 1999. "Terror Twilight", o canto do cisne, é um disco de alta fidelidade e requinte improvável em indie kids e, ao contrário do que foi propagado na altura, exaltava e sublinhava as maiores virtudes da banda: a capacidade para, a partir de linhas cruzadas, construir canções. Mas, parafraseando um cavalheiro inglês de outra banda desavinda, é melhor não deixarmos a nossa vida nas mãos de uma banda rock and roll que só vai escangalhar tudo...

Chegados a 2022 e com uma dupla de festivais Primavera (o do Barcelona e o do Porto) para cumprir desde que, em 2019, se anunciou com olhos marejados que no ano seguinte os californianos voltavam para nova cimeira (covid, malvada, não deixou), os Pavement são Stephen Malkmus (voz, guitarra), Spiral Stairs (guitarra), Mark Ibold (baixo), Bob Nastanovich (percussão), Steve West (bateria), o quinteto 'clássico', e Rebecca Cole (teclados). No Porto, ao cabo de cinco dias de descanso numa "cidade do caraças" (Malkmus dixit), têm à sua frente uma plateia consideravelmente mais reduzida do que aquela que, na quinta-feira, assistiu aos concertos de Nick Cave e Tame Impala, e também menos numerosa do que a de Beck, o homem que esta noite antecedeu Pavement no maior cenário do festival.

Não surpreende: os Pavement não eram 'alternativos' a beijar o mainstream, não agraciaram os palcos portugueses com a sua presença (o mais perto disso foi a passagem de Stephen Malkmus pelo muito chuvoso primeiro dia da edição de 2012 do festival de Paredes de Coura), eram - entre outras, na segunda metade dos anos 90 - uma banda para uma imensa minoria, para citar o memorável slogan da XFM, uma (lá está: saudosa) rádio portuguesa que se despediu não muito antes do ocaso da primeira vida dos Pavement.

A emoção com que é recebida a série de autênticos monumentos do cancioneiro indie dos anos 90 como 'Cut Your Hair' (pulos), 'Stereo' (mais pulos), 'Gold Soundz' (suspiros), 'Range Life' (mais suspiros), 'Shady Lane' (arrepios) ou 'Unfair' (pólvora... mas também arrepios, porque não?) não sai diminuída e parece plenamente justificada a opção de tocá-las como se 25 ou mais anos de rugas não se tivessem atravessado à frente. Malkmus canta com a jovialidade dos 20, Bob Nastanovich reveza-se em funções de percussionista, corista, MC e agitador com vontade de brincar, Spiral Stairs continua a cantar não especialmente bem e Mark Ibold a ser o baixista geek que os Sonic Youth tão bem aproveitaram nos últimos anos de carreira. Há um misto de meninice com 'sleaziness', numa espécie de descompromisso com a noção de espetáculo, compensada por um talento raro de fazer 'igual', para que as boas memórias não saiam danificadas.

Num alinhamento que contou com 'Harness Your Hopes', o ótimo lado B que um 'buraco' no algoritmo do Spotify transformou no maior sucesso da banda para quem só agora a encontre, é necessário destacar uma canção maior, 'Spit on a Stranger', pouco tocada no seu tempo (a banda acabaria pouco depois da edição de "Terror Twilight", o disco que a inclui), e que agora se vê envolvida com o celofane do clássico que nunca foi. De 'Grounded' a 'Fin', a vitória era, porém, anunciada. Há t-shirts que nunca se despem por uma boa razão: ainda servem.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: lguerra@blitz.impresa.pt

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