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Três horas de rock e uma homenagem ao “povo corajoso da Ucrânia”: assim foi o regresso dos Guns N’ Roses a Portugal, cinco anos depois

Três horas de rock e uma homenagem ao “povo corajoso da Ucrânia”: assim foi o regresso dos Guns N’ Roses a Portugal, cinco anos depois
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“Estamos a tentar voltar a fazer isto, saímos agora da gruta da covid”: estas foram algumas das palavras de Axl Rose no regresso a Algés, cinco anos depois do último concerto naquele mesmo recinto. Foi uma noite à moda antiga, perante cerca de 45 mil espectadores (números da organização) que aplaudiram êxitos, temas menos conhecidos e várias versões

Três horas de rock e uma homenagem ao “povo corajoso da Ucrânia”: assim foi o regresso dos Guns N’ Roses a Portugal, cinco anos depois

Lia Pereira

Jornalista

Três horas de rock e uma homenagem ao “povo corajoso da Ucrânia”: assim foi o regresso dos Guns N’ Roses a Portugal, cinco anos depois

Rita Carmo

Fotojornalista

No primeiro concerto que deram este ano, os Guns N' Roses trouxeram ao Passeio Marítimo de Algés, onde haviam tocado em 2017, um espetáculo longo, generoso e marcado por várias surpresas. Ao contrário do que se poderia esperar, o alinhamento foi marcadamente diferente daquele que apresentaram nos Estados Unidos, no ano passado, e o equilíbrio entre grandes êxitos, que abundam no seu catálogo, e temas mais desconhecidos pendeu por vezes para a faceta menos imediata. Os milhares de fãs (a organização esperava 45 mil espectadores) não arredaram, porém, pé, acompanhando a extensa jornada dos Guns N ' Roses pela sua discografia e pela história do rock, através de versões de Stooges ou AC/DC - tudo 'servido' com uma série de vídeos a condizer, num palco ladeado por duas bandeiras da Ucrânia, a cujo povo Axl Rose faria uma dedicatória. Da componente visual do concerto não rezará, porém, esta reportagem, uma vez que, lamentavelmente, a banda proibiu toda a imprensa presente de fotografar a sua atuação.

A festa começou, oficialmente, pelas 20h55, ou seja, 25 minutos depois da hora marcada, com a chegada de Axl Rose, Slash e Duff McKagan (os três sobreviventes da formação original), acompanhados por Richard Fortus (guitarra), Frank Ferrer (bateria) e Dizzy Reed e Melissa Reese (ambos nas teclas). Quando os ecrãs gigantes levaram até à imensa plateia espalhada à beira-rio as imagens destes super-heróis do rock, os gritos de quem escolheu as suas melhores t-shirts de Guns N' Roses, Iron Maiden ou AC/DC para rumar a Algés não se fizeram esperar, aproximando-se do registo agudo que Axl Rose já não tenta atingir. Em muitos casos acompanhados pela família, os fãs que terão conhecido a magia de "Appetite For Destruction" (1987) e dos dois tomos de "Use Your Illusion" (1991) em plena adolescência absorveram — e documentaram, com os telemóveis — o regresso dos veteranos para aquele que foi o seu quinto concerto em Portugal, desde a longínqua (e atribulada) estreia em 1992, no Estádio de Alvalade, em Lisboa.

Desde esse primeiro encontro, passaram-se 30 anos. Num universo alternativo, os Guns N' Roses nunca teriam lançado "Chinese Democracy", o álbum que lhes levou mais de uma década a completar e que os trouxe de volta aos originais em 2008, e Axl Rose teria encetado uma carreira a solo, ou sucumbido aos excessos do rock and roll. Na dimensão que habitamos, William Bruce Rose Jr., 60 velas sopradas no passado mês de fevereiro, mantém um esgar provocatório e a vontade de calcorrear o palco, ocasionalmente com um menear de anca ou um rodopiar de suporte de microfone dignos dos velhos tempos. Quando se dirige ao público, é amável e fala do tempo ameno que se pôs desde ontem ("Já cá estamos há dois dias, tem estado muito ventoso") ou do galo que viu numa visita ao Jardim Botânico. No final do concerto, e enquanto os companheiros distribuem palhetas pelos fãs, voltará a palco, já de robe azul, para entregar o melhor sorriso àqueles que esperaram anos para voltar a vê-lo. A sua voz perdeu, claramente, o fulgor e o alcance dos verdes anos, e os Guns N' Roses podem já não ser a banda mais perigosa do mundo, epíteto que se esforçaram por cumprir, nos debochados anos 90. Mas, entre o empenho de Axl, os solos que Slash esculpe com precisão na sua guitarra e a eterna coolness de Duff, a quem caberá cantar 'I Wanna Be Your Dog', dos Stooges, a rapaziada de Los Angeles mostra vontade de, com garra, dar corpo às canções que marcaram a vida de gerações.

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Numa altura em que a ideia de conflito arrepia metade da humanidade, é como elogio que assinalamos que, no seu melhor, a música dos Guns N' Roses é saudavelmente beligerante, como se, para citar os Linda Martini, o seu amor fosse um combate. Movida pelo ritmo marcial da bateria, entrecruzada pelos disparos blues da guitarra de Slash, 'Double Talkin' Jive', de "Use Your Illusion I", é dessa agressividade positiva um bom exemplo. Já a senhora que se lhe segue, 'Welcome To The Jungle', espalhou pelo recinto a esperada loucura generalizada, entregando-se o público àquele espírito de celebração e abandono que o rock and roll tão bem propicia. Mas o concerto já ia perto dos 60 minutos e 'Welcome to the Jungle' fora o único grande êxito a excitar a multidão; com Axl a emular a voz insinuante de Scott Weiland em 'Slither', dos Velvet Revolver, ou a 'oldie' 'Reckless Life' (apresentada, segundo o site setlist.fm, pela primeira vez desde 1993), o concerto seguia algo morno. A escolha de duas versões pouco impactantes - 'Shadow of Your Love', dos Guns 'bebés', os Hollywood Rose, e ''Walk All Over You', dos AC/DC, que Axl descreveu como "uma canção de amor", não ajudou a animar as hostes, apesar do empenho dos músicos.

O tema número 13 acabou por trazer sorte aos Guns N' Roses e uma nova vida ao concerto. Com 'Live and Let Die', canção escrita por Paul e Linda McCartney para os Wings (e para a banda-sonora do filme de James Bond "Vive e Deixa Morrer"), o espetáculo ganhou um outro fôlego. 'You Could Be Mine' prolongou o entusiasmo, que esmoreceu durante 'Hard Skool' e 'Absurd' mas se reacendeu com 'Civil War', dedicada por Axl Rose ao "povo corajoso" da Ucrânia. Seguiu-se uma apresentação dos músicos que perfazem os Guns N' Roses em 2022 — e, chegada a vez de dizer o nome de Slash (de quem uns garotos afirmaram, a certa altura, fazer "metade do concerto sozinho"), nada melhor do que deixá-lo dedilhar a sua guitarra durante um solo caprichado, que antecedeu a sempre aguardada 'Sweet Child o' Mine'. Para acompanhar esta criação rendilhada do companheiro, Axl — que trocou de t-shirt várias vezes ao longo da noite — foi buscar um chapéu branco de cowboy. Infelizmente, o som não correspondeu plenamente à alegria de banda e público, maculando um pouco o momento.

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Depois de mais uma festa de solos de guitarra, a cargo de Slash e Richard Fortus, em 'Rocket Queen', deu-se o momento mais punk do serão. Enxuto nas suas 58 primaveras, com uma t-shirt dos australianos The Saints e o símbolo de Prince no baixo, Duff McKagan cantou 'I Wanna Be Your Dog', dos Stooges, que poderemos ouvir na voz do dono, Iggy Pop, no próximo festival Vilar de Mouros.

E porque a iconografia importa, Axl Rose muniu-se de um novo chapéu, óculos de sol e casaco para, sentado ao seu piano Yamaha, dar vida a uma das últimas grandes baladas do rock: a gloriosa 'November Rain', com direito ao prolongamento dramático e penalties de Slash (ou seja, não limitada à mais breve versão radiofónica, sem 'cauda' final). Mais uma vez, nem sempre o som pareceu estar à altura da solenidade do momento, mas o público mais do que compensou, entoando o coro mais sentido da noite. Muitas vidas passaram por aquele piano.

Já em ritmo de festa total, antes do encore, ouvimos as palavras de Bob Dylan, num 'Knockin' on Heaven's Door' adornado, no grande ecrã, pela lua de Algés, e o corridinho de 'Nightrain'.

Com o encore chegaria um dos 'episódios' mais bonitos do concerto, com Slash, Duff McKagan e Richard Fortus, os homens das cordas, sentados lado a lado com as suas guitarras acústicas, glosando 'Black Bird', dos Beatles. Foram pouco mais de dois minutos num concerto de três horas, mas a entrega dos três titãs do rock a uma peça tão delicada foi verdadeiramente comovente, na forma como tornou tão evidente o seu amor e a sua devoção pela música.

Dos Beatles ao assobio de 'Patience' foi um saltinho, e passado o apeadeiro de 'You're Crazy', de "Appetite For Destruction", o comboio dos Guns N' Roses tinha chegado, por fim, ao seu destino: 'Paradise City', aquela canção que comete a proeza de começar pelo refrão e continuar a detonar bombas de alegria, 35 anos depois de vir ao mundo.

"Estamos a tentar voltar a fazer isso, saímos agora da gruta da covid", partilhou a certa altura Axl Rose. Estamos todos, terá pensando a gigantesca massa humana, que no penoso regresso ao mundo real — as filas até à estação de Algés moviam-se a passo de caracol, dada a quantidade de espectadores — discutiam temas como quais os mais inspirados álbuns da banda ou porque é que países como a Áustria ou a Alemanha ficam com o melhor merchandising (uns copos especiais pareciam ser o item mais cobiçado). Foi uma noite à moda antiga, com certeza, com direito a dois artistas de abertura: a banda nova-iorquina The Last Internationale e o guitarrista texano Gary Clark Jr. Muitas horas de música ao vivo, abrindo caminho para a temporada de festivais de verão que agora se principia.

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