O concerto que os Capitão Fausto deram dias antes do primeiro confinamento é agora um disco
Capitão Fausto
Matilde Travassos
"Este foi o derradeiro concerto, no limiar do abismo, de uma vida que não voltou como a conhecemos e de um tempo que teima em não andar para trás", escreve o maestro Martim Sousa Tavares, autor dos arranjos e da direção artística do concerto de março de 2020
O concerto que os Capitão Fausto deram no Campo Pequeno, em Lisboa, a 7 de março de 2020, acaba de ser transformado em disco ao vivo.
O espetáculo, no qual a banda de Lisboa se fez acompanhar pela Orquestra das Beiras e que se realizou poucos dias antes do primeiro confinamento, está disponível em vinil duplo e formato digital, com o título "Capitão Fausto & Orquestra das Beiras ao vivo no Campo Pequeno".
A propósito da importância do concerto, no contexto do que se lhe seguiu, escreveu o maestro Martim Sousa Tavares, autor dos arranjos e encarregado pela direção artística do espetáculo:
“A vida continuou. Ainda que dificilmente acreditássemos, se nos contassem o que se seguiria, ou mesmo que não chamássemos a isto vida, a verdade é que a vida continuou. Este foi o derradeiro concerto, no limiar do abismo, de uma vida que não voltou como a conhecemos e de um tempo que teima em não andar para trás. E não é como se tudo tivesse sido um sonho. Foi nítido, demorado e detalhado como só a realidade permite. O que durante anos sonhámos em jeito de desafio entre amigos e durante meses nos levantou da cama com os cabelos em riste e o coração a 130, o que nos juntou numa noite fria de teimoso inverno tardio e era um encontro, na verdade foi uma despedida."
"Sem que o soubéssemos, este concerto havia de perdurar, mais que não fosse como um marco obstinado a provar que mesmo quando tudo muda, a vida segue em frente. O Manuel era pai, o Tomás foi pai, o Salvador em breve será. Como se vê, a vida continuou — há mais vida que isto? Tocaram-se concertos, amigos juntaram-se e dançaram. Apertos de mão passaram a punhos cerrados, abraços amplos passaram a cotovelos em ângulo agudo e sorrisos continuaram a ser sorrisos, só que com os olhos. É evidente que a vida está aí, só não é a mesma. Só não era dado saber que a reunião era um adeus e que o ato do encontro era o último ato antes do mergulho de olhos bem abertos no tempo escuro e disforme, estranho e silencioso, ao qual nos fizemos habituados e conhecidos para que pudéssemos continuar a ser quem éramos. Este disco é a memória que estica os seus dedos em gesto de salvação. A memória que recupera, para quantos lá estiveram e desejavam ter estado, a impressão de que ainda somos as mesmas pessoas de ontem, para quem a vida continuou sendo tal e qual. A memória prega partidas mas os microfones não mentem. O que ficou gravado, gravado está e agora está aqui. O que foi bonito ontem será bonito sempre e merece ser lembrado. Por isso se fez este disco, porque nunca quisemos o adeus."
A capa do disco ao vivo, já nas lojas
Este é o alinhamento do disco ao vivo:
Quiet Village (Les Baxter)
Lentamente
Faço as Vontades
Corazón
Sempre Bem
Semana em Semana
Dias Contados
Maneiras Más
Certeza
Córtex
Amor, a Nossa Vida
Outro Lado
Lameira
Amanhã Tou Melhor
Morro na Praia
Santa Ana
Boa Memória (Intro: Jupiter, the Bringer of Jollity)