Quando ali chegou, um emaranhado de silvas tapava as ruínas que um dia tinham sido a coqueluche do avô. Comprou o edifício degradado, restaurou-o, e, em três anos, voltou a ter ali uma mó em movimento para fazer todo o tipo de farinha, trabalhar arroz e todo o tipo de cereais. Reconstruir o moinho do avô, mesmo junto à fronteira das duas freguesias de Canelas e Fermelã, em Estarreja, era um sonho de criança, mas não raras vezes a realidade atropela doces idílios. Foi o que aconteceu a Rogério Paulo Saramago, de 32 anos, que tinha uma ideia tão poética quanto o seu nome: um moinho “levantado do chão”. Em setembro do ano passado - segundo lhe dita a memória -, Rogério Paulo chegou àquele lugar, atravessado pelo rio, e ouviu mais do que a água a passar. Peritos "andavam a furar acima, nesta encosta, e acima das autoestradas", aponta. Segundo o dono do moinho, as sondagens para o troço do TGV que ali deveria passar dentro de cerca de cinco anos começaram a ser realizadas sem aviso aos proprietários. "Andavam aqui uns senhores a tirar fotografias ao moinho e a fazer um levantamento com um cartógrafo. Cheguei aqui, e estava ali o carro. Mostraram-me o mapa, e eu vi a planta antes mesmo do presidente da junta."
Foi assim que os habitantes da freguesia de Canelas e Fermelã descobriram que ali passaria uma linha de alta velocidade. Rogério Paulo andou de porta em porta a mostrar-lhes o mapa. "Pelo desenho técnico, um pilar fica aqui no sítio do moinho", diz, e o seu dedo a esvoaçar projeta uma linha imaginária que ali se começa a vislumbrar a partir da encosta.
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