Talvez seja do calor, que tem a capacidade de criar momentos de suspensão, como nos filmes de cowboys. Os materiais estalam, sobreaquecem, os corpos ganham energias impossíveis. Parecem incapazes de sobreviver ao momento, mas chegarão ao fim do dia, do mês, dos anos. Não é uma da tarde e o pior ainda está para vir. Alberto Rosa Pereira tem 88 anos e não dá pela canícula. Enquanto uns se abanam, procuram sombras, bebem água e sentem o suor a transformar-se em rio, o cérebro do antigo mineiro não para de fazer ligações entre memórias. Foi uma vida nesta mina do Lousal, de que percorremos a melhor parte, à superfície, como turistas. Alberto vivia no subsolo, nas 16 galerias que foram sendo sucessivamente desbravadas, na procura de mais e melhor. Chegaram aos 500 metros de profundidade. “Parecíamos ratos toupeiras naqueles buracos”.
Com ele segue Jaime Cruz, que entrou no Lousal em 1959, para o lugar de eletricista. Nessa altura já Alberto levava sete anos na mina, um na trituração, até completar 18 anos, altura em que passou a mineiro de fundo, onde esteve até ao encerramento da estrutura em 1988. Jaime desceu pela primeira vez à mina em 1963. Só lá ia em caso de avaria, mais raramente para espreitar a azáfama dos mineiros. “Não se viam uns aos outros”, diz o homem que montou os magníficos quadros elétricos que jazem numa das estruturas à superfície. Não se viam, porque passavam os dias a furar a pedra das entranhas da terra com enormes martelos pneumáticos (esqueçamos os novos materiais, estes eram de ferro e mal se conseguem mover, quanto mais apontar à rocha horas a fio), e a carregar o minério nos vagões “à pata de besta”, como repetiria Alberto duas ou três vezes. Não havia máscaras, nem óculos, nem luvas. “As luvas eram estas”, diz Alberto, mostrando as mãos de pele grossa, “as luvas eram estas”.
Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: malmeida@expresso.impresa.pt