Não consigo precisar a data, algures nas primeiras semanas de 2020, a pouca distância do assomo da pandemia que nos mandou para casa, a praticar um conceito conhecido dos livros de História, nunca concretizado como então: confinamento. Foi um convite para o visionamento privado de um filme selecionado para o Festival de Berlim. Chamava-se “A Metamorfose dos Pássaros” e disseram-me ser a primeira longa-metragem de uma jovem cineasta, tendo por tema a história de uma avó. A minha primeira reação foi “outra vez, não!” — com ponto de exclamação e tudo e só não grafo a frase em maiúsculas porque o grito, se o houve, foi para dentro. De facto, nos anos mais recentes, são muitos os realizadores a chegar ao acesso à profissão convencidos de que os pais, os avós, a terrinha, a lareira onde assavam chouriços em criança lá na aldeia, os mistérios familiares que os progenitores nunca haviam esclarecido e outros temas correlativos eram matéria digna de ser posta em filme. Gente sem nada para contar a recorrer ao alfobre dos antepassados para nos fazer perder tempo. Já não há paciência! Foi, assim, com muito sobreaviso e de pé atrás, que acedi ao filme. E — milagre! — acabei seduzido por ele. Eu e mais uns milhares de espectadores que o foram, muito depois, ver à sala e numa miríade de festivais e na RTP e, agora, no reino sem fundo das plataformas de streaming onde ninguém sabe — salvo os patrões da indústria — se um conteúdo audiovisual é muito visto ou jaz perdido no poço dos olvidos.
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