A miniaturização vai continuar nos chips, mas no MIT há quem lembre que o reinado do silício ainda não acabou
Vladimir Bulovic, diretor do MIT.Nano que a Clarke Modet organizaou com o tema da nanotecnologia
Clarke Modet / Pedro Fiuza
O que fazem Vladimir Bulovic e Elvira Fortunato num palco em Lisboa? Resposta: falam do potencial de negócio e ciência que as nanotecnologias prometem trazer para a microeletrónica e também para as diferentes áreas do saber
Quando o Presidente John Kennedy apontou a ida à Lua como destino estratégico dos EUA, a grande revolução da eletrónica ainda estava por fazer. “Se perguntassem aos grandes grupos instalados o que precisavam, eles diriam que queriam válvulas mais leves”, responde Vladimir Bulovic, diretor do Departamento de Nanotecnologia do Instituto de Tecnologias do Massachusetts (MIT.Nano).
A solução haveria de ser bem diferente da prevista pelos líderes do segmento das válvulas – e passou pelos primeiros transístores, que abriram caminho aos processadores da atualidade. Com a miniaturização a chegar a dois nanómetros, o potencial conflito entre poder instalado e inovação repete-se:: “Entretanto, a indústria do silício investiu biliões e biliões de dólares”, recordou Bulovic num evento realizado pela empresa Clarke Modet esta quarta-feira em Lisboa.
Na informática, a evolução implica aumentar a capacidade e a qualidade de processamento, bem como criar novas funcionalidades. E qualquer das hipóteses passa, em grande parte, pela nanotecnologia – ou se se preferir pela miniaturização de dispositivos com capacidade de processamento, que se tornam cada vez mais pequenos, a ponto de chegarem a arquiteturas de dois nanómetros como as que já foram anunciadas pela TSMC, de Taiwan (um milímetro corresponde a um milhão de nanómetros). E é para conjugar todos estes fatores que nasceu o MIT.Nano, que pode ser apresentado como uma faculdade do MIT que é especializada nas “pequenas coisas” e tem 40% de professores e 40% de alunos com sotaque estrangeiro, mas cede 11% da capacidade dos laboratórios a startups e não dispõe de gabinete de diretor, precisamente “para o poderem substituir facilmente”, se for necessário.
O reencontro de Vladimir Bulovic e a ministra da Ciência Elvira Fortunato, depois de vários anos passados sobre uma conferência organizada nos EUA
Clarke Modet / Pedro Fiuza
Com o nome inserido em mais de 100 patentes, Bulovic não parece especialmente atemorizado com a facilidade com que um dia será substituído – e aproveitou o evento organizado pela empresa especializada na proteção industrial para saudar a presença de Elvira Fortunato, a atual Ministra da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior e referência no desenvolvimento de novos materiais para a área da eletrónica, com a recordação dos tempos em que organizavam eventos científicos.
A ministra não escondeu o reconhecimento e também lembrou que está atenta a essa grande revolução que se faz com coisas tão pequenas que não se veem. O Laboratório Ibérico Internacional de Nanotecnologia, que se encontra em Braga, mereceu menção como o epicentro do novo paradigma para a comunidade nacional, mas Elvira Fortunato não deixou de admitir que “precisamos de pôr mais cientistas a trabalhar mais nestas áreas” que podem ir “do cancro às alterações climáticas”.
O diretor do MIT.Nano também aproveitou para lembrar que a nanotecnologia já é em alguns casos secular, como confirmam os vitrais do Mosteiro dos Jerónimos, em Lisboa, que recorrem a partículas de minérios para assumirem cores que não se perdem com o tempo. A mesma lógica se aplica a espadas produzidas com minérios que têm nanotubos que garantem maior resistência. Num salto para a atualidade, Bulovic desfia um sem número de exemplos que prometem mudar o dia-a-dia: dos testes de diagnóstico com filamentos que contêm materiais que mudam de cor às etiquetas que alertam os consumidores de fruta em vias de putrefação; e por fim lembrou um revestimento desenvolvido à escala nanotecnológica para repelir a água e que, desta forma, pode ser usado para ajudar a extrair os 10% de ketchup que ficam nas embalagens e garrafas tradicionais.
Todos estes exemplos são auspiciosos – mas exigem tempo. O fecho de correr conhecido como zipper levou 12 anos entre comercialização e atribuição de patente, e o velcro demorou 13. Bulovic dá mais uma referência: para desenvolver uma nova ideia na área da tecnologia poderão ser necessários 100 milhões de euros e 10 anos de espera, “se não houver uma fábrica de chips disponível”.
"Não há ainda mercado para a eletrónica invisível"
A constatação deu o mote para a pequena entrevista que o diretor do MIT.Nano concedeu ao Expresso.
Tendo em conta o tempo e os investimentos exigidos para desenvolver fábricas de chips, será que o Ocidente ainda vai a tempo de lançar grandes fábricas de chips, como as que existem na Ásia?
Neste momento, a TSMC lidera a nível mundial no que toca ao desenvolvimento de chips mais rápidos. E o mesmo se pode dizer de alguma forma sobre a Samsung. Empresas como Qualcomm pedem à Samsung para produzir chips. A Apple e a AMD lideram as tecnologias, mas recorrem à TSMC.
Não há forma de mudar esse circuito?
Nem há razão para isso. Seria fantástico para os EUA e para a Europa conseguirem produzir chips com (arquiteturas) de três nanómetros, mas agora não é possível. A Samsung e a TSMC vão à frente e vão conseguir fazer chips de dois e três nanómetros até ao final do ano, mas a Intel (dos EUA) ainda vai nos sete nanómetros… e eles estão a tentar fazer o melhor para conseguir algo mais pequeno, mas vai levar tempo. A Intel é o que de mais parecido há com um concorrente da Samsung e da TSMC na Europa e nos EUA. Há questões geopolíticas relacionadas com a TSMC e a Samsung que são um problema, mas do ponto de vista tecnológico não faz sentido… porque implica investimentos de vários milhões de dólares só para igualar o que existe na Ásia ou para produzir uma nova tecnologia...
...Se calhar faz sentido investir em algo disruptivo como os transístores fizeram face aos fabricantes de válvulas na segunda metade do século 20!
Sim e não. (Por exemplo) Nos EUA, optou-se por se deixar de produzir meias e t-shirts e mandar a produção para outros sítios. Se olharmos para a TSMC, vemos que não tem por objetivo definir o desenho dos chips. Numa entrevista recente, um ex-responsável da TSMC lembrou que o design ainda é dominado pelos EUA e pela Europa. Em contrapartida, o fabrico daquilo que é desenhado (no Ocidente) é que é liderado pela TSMC. É uma coexistência que permite que ambos lados cresçam. Estamos preocupados com a geopolítica, e por isso não queremos perder a capacidade de produção. Temos alguma, mas não ao nível da TSMC.
Faz sentido procurar novos materiais que, por exemplo, permitem criar circuitos eletrónicos dobráveis ou invisíveis?
A partir do momento em que houver eletrónica invisível que seja útil para o mundo, devemos então criá-la. Mas hoje não há ainda mercado. Acho que a eletrónica invisível é fixe e permite ter novos designs, mas não é aquilo que está a liderar o mercado… ainda que possa imaginar a importância que terá para novas células solares mais leves e moldáveis. Mas vai levar tempo até que aconteça. Não posso dizer o que vai acabar por substituir o silício, porque é bom e funciona. Se me conseguir dar eletrónica que consome menos energia que o silício, então já acredito que seja possível. Mas vai levar pelo menos uma década, e vários biliões de investimentos para produzir uma fábrica que consiga produzir estes produtos. É mais provável que vejamos o silício como uma núcleo estrutural, que se conecta a outros chips criados com materiais que não são silício. E talvez seja por aí que poderemos ir além do silício…
Chips híbridos…?
Sim. O ponto de viragem será a tecnologia híbrida, com silício e outros materiais.
A indústria já fala nos arquiteturas de dois nanómetros e de escalas mais abaixo, que usam angstroms...Até onde pode ir a miniaturização?
Depende das aplicações. Se for um pequeno sensor, sabe-se que podemos criar pequenas partículas que circulam no sangue e recolhem dados… mas há também nanodispositivos que recolhem dados químicos de todo o corpo. É uma tecnologia que ainda não está comercializada, mas pode ser muito importante para saber do estado de saúde do corpo a níveis muito detalhados. É algo que vem aí. Podemos chamar-lhe nanotecnologia um avanço da medicina à escala nano… sempre que uma pessoa fica doente toma aspirina. Ora nesse caso está a comer nanotecnologia, pois são moléculas que estão a atuar à nanoescala. As nanotecnologias estão muito disseminadas, mas as pessoas à vezes esquecem-se, que é uma solução para várias áreas.