Exclusivo

Segurança

Martim Moniz: “Fiquei assustado, chocado, encostarem-nos à parede é indecente”, diz Rana Udin, líder da comunidade do Bangladeche

Martim Moniz: “Fiquei assustado, chocado, encostarem-nos à parede é indecente”, diz Rana Udin, líder da comunidade do Bangladeche
Nuno Fox

Rana Taslim Uddin representa os 60 mil imigrantes do Bangladeche que vivem e trabalham em Portugal. Diz que a comunidade está "assustada e chocada" com as imagens das dezenas de pessoas viradas para a parede enquanto eram revistadas pela polícia, mas admite que haja, de vez em quando, rixas "com pequenas facas". Já o tráfico de droga na Rua do Benformoso está a "crescer desde a pandemia"

Martim Moniz: “Fiquei assustado, chocado, encostarem-nos à parede é indecente”, diz Rana Udin, líder da comunidade do Bangladeche

Hugo Franco

Jornalista

Há 34 anos que o líder da comunidade do Bangladeche vive em Portugal. "Foi a primeira vez que vi algo do género, de dezenas de pessoas serem encostadas à parede pela polícia", afirma Rana Taslim Uddin. O comerciante não irá fazer queixa da operação da PSP porque diz não querer ter "mais problemas". Mas não tem dúvidas de que as imagens daquela ação policial prejudicaram a imagem dos imigrantes indostânicos.

Qual foi a sua reação quando viu as imagens das pessoas viradas para a parede na operação da PSP?

Não foi uma coisa decente por parte da polícia. Deveriam ter feito as coisas de uma outra maneira. Fiquei assustado, chocado quando vi aquelas imagens. Os imigrantes da Mouraria ficaram com muito medo. E não só. Como as imagens se espalharam por todo o mundo, toda a comunidade indostânica ficou assustada. Portugal não ficou com uma boa imagem no estrangeiro.

Foi a primeira vez que assistiu a algo do género? Ou já houve operações policiais anteriores em que as pessoas foram revistadas viradas para a parede, no Martim Moniz?

Foi a primeira vez que vi algo do género, de dezenas de pessoas serem encostadas à parede pela polícia. Nunca tinha visto este tipo de operação por parte da polícia nos meus 34 anos em que vivo em Portugal. Já cá estiveram a ASAE, a Autoridade Tributária ou o SEF, mas nunca fizeram este tipo de coisas. Foram operações benéficas para podermos controlar quem estava em situação irregular ou atuava irregularmente nos seus estabelecimentos comerciais. Mas encostarem-nos à parede é indecente.

Tem recebido muitas queixas da comunidade sobre esta operação?

Sim, tenho recebido várias queixas diárias por parte da comunidade. Estão assustados e chocados. Alguns têm muito medo sobretudo porque investiram muitos milhões de euros em negócios em Portugal: em restaurantes, hotéis ou cafés. Ainda não referiram que se querem ir embora, mas estão assustados. Este Governo não está a demonstrar amizade com os imigrantes em geral, e não apenas com os do Indostão.

Já se reuniu com a polícia para falar sobre os efeitos desta operação?

Não. Temos uma instituição local criada há poucos meses, em que também participa a polícia: a Segurança da Mouraria. Irei levantar este assunto na nossa próxima reunião que deverá acontecer em janeiro.

A PSP fala em 52 ataques com faca na rua do Benformoso em dois anos. É uma rua violenta? E está mais violenta?

O Benformoso não está mais violento. E a polícia está a controlar a rua conosco, com a própria comunidade. Às vezes há ataques com pequenas facas. Essas pessoas discutem e nós chamamos a PSP. Quando a comunidade tem medo chama a polícia. Alguns destes grupos são do Bangladeche. Mas não é algo regular. Também há problemas entre outras comunidades: uns vendem droga. Não é a nossa comunidade que participa nesse tráfico. Há queixas dos moradores por causa da venda e do consumo de droga. Muitas destas pessoas falam alto durante a noite, discutem. E os moradores não conseguem dormir.

A PSP diz que há mais tráfico de droga no bairro. Confirma?

Sim, há mais tráfico de droga nos últimos anos, sobretudo depois da covid-19.

É também referida pelas autoridades a existência de muitos esquemas com redes de imigração naquela rua. Confirma? Como está a ser combatido?

Há muito poucas pessoas em situação irregular. Diria que 99% das pessoas que ali vivem estão em situação legal.

Aquela imagem da operação prejudica a imagem da comunidade em Portugal junto dos portugueses, dando a ideia de que todos os bengalis são criminosos?

Sim, prejudica bastante a nossa imagem.

Pediu alguma reunião com o Governo sobre este assunto? Ou com a autarquia?

Não pedimos qualquer reunião com agentes do Estado português. Mas sentimos a solidariedade de alguns partidos políticos e de muitos portugueses que vieram à rua do Benformoso logo a seguir à operação policial e ofereceram flores aos lojistas. Foi uma consolação para nós. Não preciso de fazer reuniões, esta solidariedade basta-nos. É bom saber que há muita gente a favor da comunidade.

Sente que a comunidade está hoje mais ameaçada do que nunca? No início do ano, a extrema-direita queria manifestar-se nas ruas do Martim Moniz…

Não, não nos sentimos mais ameaçados.

Vai fazer queixa a alguma entidade sobre o comportamento da PSP? IGAI por exemplo?

Não vamos fazer isso. Dará mais problemas. Vivemos aqui em paz e não queremos que as coisas piorem e se compliquem. Nós somos trabalhadores, fazemos o trabalho duro que os europeus não querem fazer. Não merecemos isto.


Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: HFranco@expresso.impresa.pt

Comentários
Já é Subscritor?
Comprou o Expresso?Insira o código presente na Revista E para se juntar ao debate