Foi difícil reconhecê-lo. Estava de calças jeans, camisola verde desportiva, um boné creme de Robben Island, oferecido por um ex-preso político, que partilhou a prisão sul-africana com Mandela. Júlio Pereira, 64 anos, o homem “mais secreto das secretas” sobre quem faltam currículos e perfis, está no seu refúgio em Vieira do Minho, a terra do pai. Foi por ali que nasceu, em Montalegre, mas acabou por construir casa na aldeia, cuja “rua principal” é uma vereda que vai dar à junção do rios Cávado e Rabagão. Em frente, contempla as montanhas do Gerês, em baixo mira a ponte de Misarela, dita “do diabo”, sob cujos pilares passavam a noite as mulheres que queriam engravidar — suave milagre! Não é fácil chegar ao reduto do homem que durante 12 anos chefiou os serviços de informações portugueses. Pela estrada que serpenteia desfilam nomes improváveis como Ortigueira, Choqueira, Salamonde, Fafião, Lama Longa, São Bento de Sexta Freita. São as terras da “Terra Fria” de Ferreira do Castro, com quem o avô Pereira cavaqueava. Terras de “nevões de sair pela janela e cortar à faca o gelo da porta”, perto das minas da Borralha, de onde se extraía a volframite que atraiu alemães e ingleses no tempo da guerra. O antigo secretário-geral do SIRP tem duas pequenas pedras dessas no pátio da casa. Pesam que se farta.
Estão aqui as suas raízes?
Sim, no tempo em que Montalegre tinha muitos milhares de habitantes e onde a festa das bruxas, a cada sexta-feira, dia 13, havia animação de arromba. Ainda a fazem. Eu é que venho menos. O meu pai trabalhava nos serviços florestais e fazia transportes. Andei com ele por estes sítios todos e venho para aqui sempre que posso. Costumo dizer que trabalho em Lisboa, resido na Maia e vivo em Vieira do Minho.
Tem irmãos?
Somos quatro. Sou o mais velho, um dos meus irmãos é professor, outra jurista. O mais novo dedica-se às atividades agrícolas. O meu pai era de uma família abastada numa aldeia pobre.
Fez aqui os seus estudos?
A instrução primária em Vila Real e Montalegre, os dois últimos anos do secundário (antigos 6º e 7º) em Chaves, depois o curso de Direito em Coimbra. Andei no seminário, antigamente eram as nossas ‘madrassas’. Depois de tirar o curso fiz estágio de advocacia no Porto e o exame para a magistratura. Comecei a trabalhar como estagiário no Ministério Público no Porto, mas a minha primeira comarca foi em Fafe. Depois rumei aos Açores, a Praia da Vitória, onde estive quatro anos e onde porventura ainda estaria se as condições fossem melhores. Entretanto, surgiu uma vaga para a comarca de Macau e eu fui.
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