Religião

Presidente dos bispos não reconhece como católicos quem é contra imigrantes e promove xenofobia

Presidente dos bispos não reconhece como católicos quem é contra imigrantes e promove xenofobia
FILIPE AMORIM

José Ornelas lamenta que legislação sobre estrangeiros e nacionalidade tenha mais "proibição" do que inclusão

O presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) citou Jesus Cristo para dizer que não considera católicos quem se afirma crente e tem um discurso contra os imigrantes e contra o acolhimento.

"Isso é o que, a mim, mais me custa entender em tudo isto", disse José Ornelas, confrontado com o facto de muito do discurso xenófobo, populista e anti-imigrantes invocar a fé católica e a matriz judaico-cristã da Europa.

Numa conferência após o XVI Encontro de Bispos dos Países Lusófonos, José Ornelas citou o que respondeu Jesus Cristo aos seus contemporâneos que o acusavam de violar a fé judaica em que havia sido criado: "A resposta é 'não vos conheço'".

"Não só precisamos de imigrantes, mas precisamos de evoluir" e deixar de ter uma "cultura de medo", algo que as leis propostas (da nacionalidade e estrangeiros) parecem acentuar, alertou José Ornelas.

Nesta alteração prevista, "o que tem mais [nos diplomas] é proibição e a preocupação com o medo que se gerou", enquanto, em contrapartida, a redação proposta é "muito, muito parca naquilo que é o dever, a necessidade e o desafio da integração" dos imigrantes, um tema em que, "praticamente, o discurso desapareceu", considerou Ornelas.


Contra os "populismos manipuladores"

Já na terça-feira, representantes das igrejas católicas de língua portuguesa tinham contestado os “populismos manipuladores” que impedem o acolhimento, “num momento em que o mundo atravessa uma noite densa de escuridão”, causada pelas guerras e pela violência.

Na abertura dos trabalhos do 16.º Encontro de Bispos Lusófonos, que decorreu esta semana em Lisboa, o presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), José Ornelas, recordou que a Igreja ensina que o próximo, “independentemente da raça, acento linguístico ou cultura”, é irmão de fé.

Cabe à hierarquia contribuir para uma cultura que leve os governantes a “não cederem a populismos manipuladores, a serem verdadeiramente responsáveis no acolhimento e a saberem integrar os que chegam, na dignidade e na justiça”, acrescentou. “A colaboração das nossas Igrejas neste campo parece-me um tema crucial para o mundo de hoje e para preparar um futuro melhor para os nossos povos”, afirmou o dirigente português, na presença de representantes das Igrejas de Angola, Brasil, Cabo Verde, Moçambique, Timor-Leste e São Tomé e Príncipe.

Por seu turno, José Manuel Imbamba, presidente da Conferência Episcopal de Angola e São Tomé, recordou que o encontro “acontece num momento em que o mundo atravessa uma noite densa de escuridão devido ao amontoar-se de tensões entre os Estados e de guerras, umas amplamente mediatizadas e outras esquecidas ou silenciadas, que se disseminam praticamente em todos os continentes, cujos horrores e crueldades bradam os céus”.

“Essa cultura da violência tem provocado mortes indiscriminadas, movimentações forçadas de pessoas e famílias; tem produzido insegurança, incertezas e medos e tem lesado gravemente a dignidade da pessoa humana”, avisou o bispo.

O também responsável da diocese angolana de Saurimo, alertou que se está “a agudizar ainda mais a crise do direito internacional, a pobreza, a injustiça social, o desrespeito pela vida e a proporcionar um ambiente em que a mentira vale mais do que a verdade, o mal vale mais do que bem” e que “os valores instrumentais valem mais do que os valores absolutos”.

Perante esta crise de valores, “as Igrejas de expressão portuguesa pretendem ser pontes que unem” as sociedades dos vários países, procurando “fazer da hospitalidade um caminho indispensável para a promoção da cultura do encontro enriquecedor, do abraço acolhedor, da inclusão dignificante, do diálogo integrativo, da justiça restauradora, do amor renovador e da paz libertadora”, disse Imbamba.

Por seu turno, José Ornelas criticou a tentativa atual da humanidade de construir uma Torre de Babel, “sem Deus”, um “projeto humano que quer fazer-se grande” e que impõe a mesma língua a todos, sem respeito da diversidade.

Pelo contrário, defendeu uma “busca da internacionalidade e interculturalidade” que respeite os valores de cada comunidade, recordando que a Igreja tem procurado, “em cada época da história, criar unidade na diversidade”. O objetivo “não é conquistar o mundo, submetê-lo a um projeto único, humano”, mas “garantir a diversidade”, explicou.

O também bispo de Leiria-Fátima reconheceu que a Igreja tem um passado sombrio no que respeita à relação com os países colonizados pela Europa.

“A par do anúncio congregador e libertador, fraterno e universal da mensagem cristã”, o propósito da Igreja cobriu-se “também de sombras e foi contemporâneo silencioso e, por vezes, conivente, de crimes de abuso de poder e de atentado à dignidade das populações e culturas, de que a escravatura humana é escândalo e ferida, que não se pode esquecer”, afirmou o responsável da Igreja Católica portuguesa.

“A verdade purificadora da memória comum é necessária para sarar feridas e criar um futuro de autêntica fraternidade”, acrescentou Ornelas, que também abordou os problemas das migrações e da mobilidade humana.

“Esta mobilidade é objeto de muita discussão, manipulação e oportunismo, cuja fatura é paga pelos mais débeis, que andam à procura de vida digna para si e as suas famílias” e “é um tema que não pode passar ao lado das nossas preocupações”, disse.

“A Igreja é peregrina por natureza: prepara-se para partir, acompanha os que partem, para que não caiam nas mãos de oportunistas e traficantes, e acolhe aqueles que chegam” e, no dia-a-dia, “tem de ser sempre um laboratório e um viveiro de convivências crioulas que geram novas parcerias e solidariedade humana e samaritana”, explicou.

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