Sociedade

Faculdade de Ciências: qual a ligação entre atentados e problemas de saúde mental?

Foto: GETTY IMAGES
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Ter doença mental não torna as pessoas mais violentas nem mais predispostas a cometer atentados como o que se evitou esta quinta feira. No entanto, “situações de vulnerabilidade emocional podem levar a comportamentos desajustados”, também influenciados
por situações de bullying e de violência, e exclusão social. E a pandemia criou muitas dessas situações

Associando várias ideias de forma livre, rapidamente se partiu do atentado na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa que foi evitado pela Polícia Judiciária, para a existência de problemas de saúde mental no jovem que preparava o ataque e para a influência da pandemia.

É cedo para tirar conclusões, é até arriscado fazê-lo nesta altura, mas as questões estão aí e há que tentar dar resposta. Ter doença mental não torna as pessoas mais violentas nem faz com que estejam mais predispostas a cometer atentados como o que se evitou esta quinta-feira. No entanto, “situações de vulnerabilidade emocional podem levar a comportamentos desajustados – quer autolesivos, como mutilações, tentativas de suicídio e suicídio consumado – quer dirigidos a terceiros”, explica Renata Benavente, vice-presidente da Ordem dos Psicólogos Portugueses que trabalha com crianças e jovens.

Há um “aumento da probabilidade” de ter esses comportamentos, acrescenta, embora “varie consoante as características individuais, como a impulsividade”, e a “capacidade de gerir as emoções”. “Nestas circunstâncias, a pessoa sente-se muito desorganizada e sem capacidade de reflexão a médio, longo prazo. Pode acabar por praticar estes atos sem refletir.” Esses comportamentos também são influenciados por fatores externos, que às vezes são descurados mas não devem sê-lo. Renata Benavente refere alguns, como “a existência de um ambiente familiar mais estável”, que ajude a conter determinadas situações, e a existência de “rotinas estabelecidas” e mais ou menos previsíveis.

Também Cátia de Carvalho, investigadora na área da psicologia, explica que, na presença de determinados “triggers”, ou gatilhos, há problemas psicólogos ou psiquiátricos que se podem manifestar. São exemplo desses gatilhos as situações de bullying e de violência, e a exclusão social, explica a investigadora, tendo por base os tiroteios que todos os anos fazem centenas de vítimas em escolas nos EUA. Lembra ainda que “é no início da idade adulta que surgem muitos problemas de saúde mental”, sendo por isso importante prestar atenção redobrada aos jovens e apostar na prevenção da doença.

Enquanto investigadora ligada à área da psicologia do terrorismo, não considera que estejamos perante uma tentativa de ataque terrorista. “A lei portuguesa enquadra dessa forma, mas só se pode falar em terrorismo quando há motivações políticas, tratando-se por isso de um ato deliberado, racional e intencional”. Logo, quando há problemas psicológicos ou psiquiátricos “não é considerado um atentado terrorista”.

Saúde mental, efeito da pandemia?

“Saúde mental, efeito da pandemia?”. Renata Benavente admite que sim, encaixando a pandemia nos fatores externos que podem desencadear os comportamentos que descreveu. “As rotinas alteradas, as incertezas e os medos podem deixar as pessoas mais desorganizadas e com mais dificuldade em conter as emoções, passando a atos desta natureza”, diz. Também a “falta de previsibilidade” que se instalou com a pandemia, assim como as dificuldades financeiras, podem ser “fatores de risco para o desenvolvimento de perturbações emocionais”.

No terreno, a psicóloga, que trabalha num centro de saúde da região de Lisboa, nota um aumento dos pedidos de intervenção psicológica por parte de pessoas de todas as faixas etárias. “Para algumas pessoas, estarem privadas dos amigos e dos familiares, ou das idas ao trabalho ou mesmo das deslocações para os locais de trabalho, foi muito perturbador. E estão agora a manifestar alguns sinais.”

Durante as fases mais agudas da pandemia, “as pessoas foram-se ativando para sobreviver e funcionar de forma mais ou menos adequada”, mas agora que as coisas estão a aliviar “começam a surgir sintomas de sofrimento que foi contido durante todo este tempo”. No entanto, também aqui é cedo para tirar conclusões. “Ainda estamos a tentar perceber o impacto real da pandemia. Só com o tempo vamos perceber.”

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